Fugas - Viagens

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Bucovina, há 500 anos a contar histórias

Recordava-me agora, em cima daquela carroça, das palavras de Cosmin Avramescu como, com a mesma nitidez, de todas as portas que se me abriram, dois anos antes, viajando por Maramures — e só dessas memórias me abstraí quando, uns trinta minutos mais tarde, a aldeia começou a despontar no horizonte. Uma mulher pinta a protecção de madeira que delimita o jardim de sua casa da estrada, outra, mais velha, está sentada num rudimentar banco de madeira vigiando as galinhas com uma vara na mão; mais para lá um homem, erguendo e baixando um machado, corta a lenha já a pensar nos rigores do Inverno; bonitas casas, muitas delas em madeira, trepam as colinas; um marulho sereno sobe do rio e tudo contribui para transformar o cenário numa harmonia perfeita.

Uma fila de pequenas barraquinhas de madeira, correndo de um lado e do outro de uma rua estreita e oferecendo ícones religiosos ou peças do artesanato local, anuncia-me a chegada a Voronet, para muitos considerada a Capela Sistina do Oriente e levantada por Stefan cel Mare em 1488. Albergando uma das mais consideráveis colecções de pinturas religiosas, a igreja, dedicada a São Jorge, é mundialmente famosa por ter, na sua fachada oriental, aquele que é por muitos definido como o fresco mais magnificente de Bucovina. Nele, ocupando toda a extensão da parede, plantam os olhos um casal italiano, enquanto um padre e uma mulher, sentados num banco ao meu lado, o admiram com uma expressão nostálgica.

- O que sinto? Paz. A primeira vez que aqui estive foi com os meus pais, devia ter cinco ou seis anos. Depois disso, já voltei a Voronet pelo menos mais umas dez vezes e muitas mais espero vir — e nesse momento ergue os olhos para um céu agora mais carregado de nuvens —, assim Deus o permita. É um lugar fantástico, sereno, que nos faz sentir pequenos perante tanta beleza. São mais de 500 anos de história, enfatiza Victoria Petrescu, enquanto o marido, o padre Mihai Petrescu — também presença frequente desde criança em Voronet —, vai abanando com a cabeça para cima e para baixo, confirmando as impressões desta romena natural de Ploiesti, no Sul do país.

Mal o silêncio se volta a instalar, todos, ao mesmo tempo, como que atraídos, satisfazemos a curiosidade olhando aquela parede em frente. O génio do trabalho do homem, incentivado por esse grande promotor da cultura que foi Stefan cel Mare, tendo como fundo uma paisagem natural generosa, transformam estes espaços de culto em lugares mágicos e inspiradores e dos quais se parte infinitamente mais rico. À nossa frente, já sem o casal italiano a obstruir o campo de visão, um quadro majestoso, detalhado, o Juízo Final, os anjos rodando os signos do Zodíaco para indicar o fim dos tempos, a humanidade conduzida para o julgamento, São Paulo escoltando os crentes, à direita Moisés conduzindo os não-crentes, o Paraíso e o Jardim do Éden, as personagens mais humanizadas, mais próximas da cultura popular, com as suas cores vibrantes e tão pouco desgastadas ao longo dos séculos — e, um pouco por todo o lado, sobressai o azul, um azul forte, conhecido em todo o mundo como o azul de Voronet.

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