Fugas - Viagens

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Bucovina, há 500 anos a contar histórias

Vale a pena contornar a igreja várias vezes. Na parede virada a norte, o Genesis, Adão e Eva e Caim e Abel; na que fixa o sul, a Árvore de Jessé (pai do rei David) com a genealogia de personagens biblícas, mais exemplos dos milagres de São Nicolau e, entre outras representações, São Jorge lutando contra o dragão. No nártex, encontra-se o túmulo de Daniel, o Eremita, o primeiro abade do mosteiro e aquele que aconselhou Stefan cel Mare a não desistir na sua luta contra os turcos, estimulando o princípe de tal forma que este não só continuou a enfrentar o inimigo como também a conquistar novas vitórias para as suas tropas.

E, em sinal de gratidão para com Deus, mandou levantar o bonito santuário de onde me apresto a sair, não sem antes me sentar para uma derradeira contemplação às pinturas e à constante inquietação de algumas das doze irmãs, cuidando dos espaços ajardinados.

- É uma vida dura e de muitas provações, admite Victoria Petrescu à despedida.

Os vales do silêncio

Na Roménia é fácil andar à boleia, se bem que alguns dos carros que se detêm fazem serviço de táxi e exigem, sendo um transporte público mas clandestino, uma pequena remuneração. Não foi, em momento algum, o meu caso e, em pouco tempo, percorri a distância (pouco mais de três dezenas de quilómetros) que separam Voronet de Moldovita. O verde domina a paisagem, casas, cada uma com o seu poço, e árvores trepam o dorso das encostas, um grupo de irmãs lança à terra lavrada as sementes sob um sol radioso. No mosteiro, com uma igreja ao centro com frescos em que a tonalidade dominante é o amarelo e rodeada por fortificações e torres, reina a tranquilidade. Apenas um casal de romenos e um idoso se passeiam, a esta hora, pelo santuário que também abriga um pequeno museu e onde se pode ver o trono original do filho de Stefan cel Mare, Petru Rares, o fundador. Caminho ao encontro do padre Leontie Loluta (um dos três que vivem em Moldovita, além de 34 freiras) e por ali erro, na sua companhia, escutando com atenção como, pausadamente, descreve a sua rotina diária, desde o despertar, pouco depois das quatro da manhã, até ao recolhimento, por volta das dez da noite.

- Com 13 ou 14 anos já queria ser padre. Nunca foi uma imposição dos meus pais. Gosto deste lugar, dos pequenos trabalhos que se fazem, do tempo de oração, de observar a fé e o respeito de todos os que o visitam, sejam romenos, espanhóis, italianos ou alemães.

No mosteiro de Moldovita, localizado na pacata aldeia de Vatra Moldovi?ei, o mural que mais atrai os fiéis e turistas é aquele que representa o Cerco de Constantinopla, em 626 d.C., com a particularidade de os persas estarem vestidos de turcos e, contrariando a verdade histórica, apresentando os bizantinos ortodoxos como vencedores e os muçulmanos como derrotados.

A tarde avança, a estrada, como uma serpente, vai subindo em curvas pronunciadas até chegar aos 1100 metros acima do nível das águas do mar; ao fundo, avisto pela última vez Moldovita com as suas paredes e um vale pintado de verde onde apetece demorar o olhar. Não tarda, estou em Sucevi?a, também situado num vale montanhoso, com um mosteiro que, pelas suas dimensões e pelas suas paredes impenetráveis, dando-lhe uma aparência de fortaleza, produz um impacto imediato no viajante. Um trilho bordejado de árvores dos dois lados dá acesso ao interior do recinto fortificado (o maior dos mosteiros de Bucovina) e no centro recorta-se uma igreja levantada entre 1582 e 1601 (a última de 22 a ser pintada, a única que não foi mandada construir por Stefan cel Mare ou a sua família e inscrita na lista da UNESCO apenas em 2010), praticamente toda ela coberta de frescos — na verdade, é, entre todas elas, a que conta com o maior número de pinturas, sendo a mais relevante a Escada da Virtude, que conduz ao paraíso. Estranhamente, não por culpa de uma escada mas de um andaime que caiu, a parede ocidental encontra-se despida; reza a lenda que, vítima da queda, o artista morreu e os seus contemporâneos, com medo, recusaram-se a pintar.

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