Fugas - Viagens

Bucovina, há 500 anos a contar histórias

Por Sousa Ribeiro (texto e fotos)

Na Roménia, numa região remota aos pés dos Cárpatos, as igrejas e mosteiros de Bucovina, com os seus frescos, são uma expressão viva de cenas bíblicas. São como as páginas de um livro que correm sobre paredes.

- Como se chama?
- Não é importante.
- Há quantos anos vive no mosteiro?
- Não é significativo.
- Onde nasceu?
- Não é relevante.

A vida decorre em voz baixa, as freiras falam através de murmúrios, sussuram umas com as outras quando se cruzam, tornando as conversas inaudíveis. Sentada na pequena loja de madeira onde se vendem ícones, a irmã, exibindo um sorriso dócil num rosto pálido, desvaloriza as questões pessoais, porque as acha superficiais, mas revela total abertura quando a conversa, às primeiras horas de uma manhã fresca, de uma brisa suave e de um céu manchado com poucas nuvens, se torna mais abrangente.

- Mais importante do que a minha identidade, a minha existência ou as minhas origens, é o que sente o meu coração e pensar no bem dos outros e não em mim – e só assim, com a ajuda de Deus, me sinto plenamente realizada.

Escuto-a com um interesse renovado, emoldurado pela janela:

- A primeira irmã que entrou no mosteiro, em 1991, logo depois da revolução, tinha 14 anos. Mas já não está aqui. Actualmente há dez freiras a viver permanentemente em Humor.

Duas delas, incluindo Ana, com quem falara uns minutos antes, ocupam-se agora dos jardins, das roseiras que não tardarão a emprestar ao lugar ainda maior encanto, num silêncio apaziaguador mas com uma dinâmica que não era possível até ao colapso do comunismo, uma época marcada pela perseguição à religião — tão ou mais evidente do que quando o Império Áustro-Húngaro anexou uma região que haveria de permanecer sob o jugo dos Habsburgos até 1918 e cuja toponímia, de origem eslava, se deve, ainda hoje, aos invasores. 

Bucovina significa o país das faias mas representa também, a despeito da serenidade que abraça o viandante, uma história turbulenta, de frequentes ocupações e constantes divisões, disputada por romanos e otomanos, por tártaros e mongóis. A todas estas tentativas resistiram, praticamente indemnes ao galopar dos séculos, os mosteiros, as igrejas e as pinturas naquela que é uma das regiões mais belas da Europa, um quadro de prados verdes, de faias e de abetos acolhido aos pés dos Cárpatos e onde o tempo parece teimar em deter-se.

A manhã ainda revelava timidez quando cheguei a Humor, a escassos seis quilómetros de Gura Humorului, uma cidade que cresceu graças à queda do regime de Nicolae Ceausescu e ao consequente incremento da indústria do turismo, fortemente associada aos mosteiros, integrados, alguns deles, na lista de Património Mundial da UNESCO desde 1993. Mal se transpõe a porta, uma espécie de magnetismo atrai, de forma instantânea, o viajante, da mesma maneira que uma história aos quadradrinhos seduz uma criança — naquelas paredes, encimadas por tectos em forma de chapéu de abas largas, estão retratadas cenas da vida religiosa e, quadro a quadro, obrigando os olhos a não se desviarem de um percurso, reportam a essência do universo ortodoxo sem esconderem a forte influência bizantina.

Fundado em 1530 por Theodor Bubuiog sob a direcção do princípe moldavo Petru Rares, o santuário, um dos mais visitados da região, recebeu miniaturistas e calígrafos e nele se elaborou o Evangelho que conserva a miniatura de Stefan cel Mare, a grande referência na construção da maior parte dos mosteiros e igrejas de Bucovina e figura máxima, entre 1457 e 1504, do Principado da Moldávia, a quem foi garantindo, dando provas de inegável resistência, a independência face aos constantes ataques otomanos e, ao mesmo tempo, fortalecendo a ortodoxia e o catolicismo contra outras correntes sustentadas pela Reforma e pelo Luteranismo — e por isso, sendo oficialmente Stefan III, é ainda hoje mais conhecido por Stefan, o Grande.

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