Fugas - Viagens

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Bucovina, há 500 anos a contar histórias

O dia está prestes a declinar quando chego, depois de atravessar, a pé, uma zona pobre do distrito de Suceava, onde os meninos jogam à bola na rua e me saúdam à minha passagem, a Dragomirna, na minúscula aldeia de Mitocu Dragomirnei. Fundada entre 1602 e 1609 pelo calígrafo, artista e bispo Anastasie Crimca, o mosteiro, banhado pelos últimos raios de sol, não apresenta frescos no seu exterior, é uma construção num estilo mais austero, em virtude de, nessa época, face aos constantes ataques otomanos, a arquitectura religiosa estar mais focada nas preocupações defensivas do que nos seus elementos decorativos. Por isso, as fortificações de Dragomirna permanecem como as mais altas de Bucovina (bem como a torre da igreja, erguendo-se no céu a uma altura superior a 40 metros), impressionando tanto os fiéis como os críticos da arte (os especialistas consideram o design único no mundo ortodoxo), e produzindo um encanto especial quando reflectidas nas águas do pequeno lago.

Na cave, no Museu de Arte Medieval, encontram-se alguns dos seus melhores tesouros, como um elegante candeeiro esculpido por Anastasie Crimca. Mas provavelmente o maior de todos, cumprindo um desejo do fundador, de que se não passasse um dia sem que os fiéis aqui acorressem, é que, a despeito de ter ficado votado ao silêncio durante o reinado dos Habsburgos e durante as purgas comunistas, sete freiras já idosas, contrariando as ordens do regime, continuaram a viver em Dragomirna nas décadas de 1960 e 1970.

Talvez porque, como a irmã de Humor, não queriam saber da sua identidade, da sua existência, das suas origens. Apenas desejavam ter o coração cheio de alegria. 

Ao longe, sob um céu nocturno, avisto Suceava.

Suceava, a cidade que respira vida

Quando, em 1999, Alex Vlad, na companhia dos seus pais, deixou para trás a Roménia, partindo em busca de uma vida melhor na Grécia, Suceava era ainda uma cidade famosa por se ter transformado, na década de 1980 e durante o regime de Nicolae Ceausescu, numa urbe com uma fábrica de papel altamente tóxica e poluente onde se produziam diariamente 20 toneladas de resíduos de celulose, causando, ao longo dos tempos, sérios problemas respiratórios e nervosos (Síndrome de Suceava) entre uma população que actualmente ascende a pouco mais de cem mil habitantes. Alex Vlad tinha sete anos, recorda as brincadeiras com os amigos, a maior parte delas na rua, o pouco interesse que lhe provocaram, durante a primeira visita, os mosteiros de Bucovina nesse tempo que parece tão distante.

- Não conseguia reconhecer a cidade. Que mudança radical. É verdade que foram 17 anos mas os meus olhos não queriam acreditar. Suceava estava muito diferente, ainda com um caminho a percorrer, talvez longo, mas que se transformara, apesar de alguns problemas e carências, num lugar agradável para viver.

Ao fim da tarde, as mães trazem os seus filhos a passear nos parques e jardins bem cuidados, os jovens sentam-se nas esplanadas e convivem, os mais novos fazem malabarismos com os seus skates na enorme praça que é o coração da cidade; a fábrica foi encerrada com a queda do ditador e o edifício deu lugar a um concorrido centro comercial, a cidade produz o popular gelado Betty, uma fábrica de cerveja oferece postos de trabalho e coloca no mercado as marcas Suceava e Calimani, a 24 de Junho o sagrado e o profano misturam-se, a festa religiosa confunde-se com as festividades nas ruas, cheias de cerveja, de comida, com a música sempre presente.

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