Estamos no ano de 1271.
Na alvorada de uma viagem que se prolongou por mais de 20 anos, Marco Polo, ainda um jovem, chega a uma cidade mercantil que respira prosperidade, às portas de Luh, o grande deserto iraniano.
“Eles acendem o fogo e levam-no entre eles, colocando-o numa bela e rica igreja. Deixam-no arder e adoram-no como um Deus, e para todos os seus sacrifícios, eles utilizam esse fogo.”
Era assim que, nesse ano longínquo, de passagem por Yazd, Marco Polo descrevia os “adoradores do fogo”, verdadeiros guardiões de tradições de uma antiga religião que, mais de 1500 depois, continuam a manter viva uma chama que jamais deixou de arder, nesta cidade e ao longo de um território de terras áridas, polvilhado de vestígios de ancestrais complexos funerários (e de torres do silêncio) que são, ainda hoje, testemunhas da presença dos últimos zaroastrianos no Irão.
Estamos no ano de 2015.
Sentado no banco traseiro de um autocarro confortável, vendo dançar os raios de luz que se insinuam através da cortina, deixava que parte da janela servisse de moldura para uma paisagem cada vez mais deserta, manchada de pedras de dimensões bíblicas e rompida por uma faixa de alcatrão decidida a serpentear e a ganhar terreno.
Pensava em Yazd, como um lugar autêntico à minha espera.
E Yazd, com uma comunidade de mais de 20 mil fiéis ao zoroastrismo (serão 150 mil em todo o mundo os seguidores da religião fundada na Pérsia por Zaratustra, a quem os gregos chamavam Zoroastro), não me desapontou. Pelo contrário, cativou-me desde o primeiro instante, logo que me instalei confortavelmente no exterior do Bagh-e Dolat Abad, um bonito pavilhão da segunda metade do século XVIII situado entre jardins que respiram serenidade. O interior é ainda mais majestoso, com as suas treliças e vitrais e, de novo sentindo o cheiro forte das flores, não tardo em plantar os olhos no elegante badgir que, subindo mais de 30 metros, é considerado o mais alto do Irão.
As cores do crepúsculo baixavam sobre a cidade silenciosa, as suas vielas e as suas ruas, algumas bordejadas de árvores, mais os sorrisos genuínos e os convites para beber chá, iam adiando a minha vontade de me recolher.
Um longo passado
Yazd é apontada como sendo a cidade há mais tempo habitada em todo o mundo, uma tese difícil de comprovar a despeito de muitos historiadores defenderem a teoria de que essa era já uma realidade há pelo menos 7000 anos. A sua vocação para a diplomacia e a sua posição estratégica, com largos benefícios para o comércio, são apontadas como causas de uma longevidade quase ímpar no mundo.
Estamos outra vez em 1271.
Marco Polo terá ficado encantado com Yazd. Chamou-lhe “esplêndida” e “um centro do comércio”.
Muito desse encanto permance quase intacto nas suas ruas estreitas, nas kuches, as vielas que atravessam uma cidade onde não é difícil perder o sentido de orientação. À primeira vista, os bairros residenciais estão desertos, não se escuta um murmúrio, não há uma voz a cortar um silêncio sepulcral. Para lá das altas paredes que bordejam as kuches, a vida não se detém, mas é vivida em voz baixa, por entre uma arquitectura delicada que, com os seus pátios e as suas portas ricamente elaboradas, não deixa ninguém indiferente e convida a olhares demorados.