Fugas - Viagens

  • Miguel Madeira
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À procura da mudança em Hunan

Changsha, à imagem do país, desenvolve-se a um ritmo tão drástico que os guias turísticos rapidamente se desactualizam. Museus que fecharam, atracções realocadas e pontos de interesse por estrear. Tomo isto como um incentivo. Hoje é tão fácil viajar que por vezes se torna fácil perder o inesperado da descoberta. Guias, apps, fóruns, redes sociais — “Tens de experimentar aquele restaurante”, “Já visitei, não é muito típico”, “Só vais conhecer verdadeiramente se fizeres como os locais e fores aqui”, “Aquele bar é muito turístico”. Até para a ilha mais remota do oceano Pacífico vamos encontrar sugestões do quarto com melhor Wi-Fi. Estamos tão informados e predispostos a comparações com a nossa realidade que se pode perder uma oportunidade de absorver as coisas como elas são e não como gostaríamos que fossem. Perseguir imagens pode ser uma armadilha e deixar-nos cheios de certezas nos nossos estereótipos, transformando a viagem em apenas uma confirmação de uma visão preconcebida.

Tento abstrair-me destes pensamentos e manter a mente aberta. Como noutras localidades, a cidade gira em torno de uma temática, o que ajuda a orientar o turismo. Normalmente são associadas a gastronomia ou algum elemento da natureza, mas no caso de Changsha é Mao Zedong. Aqui, o fundador da República Popular da China estudou e começou a sua carreira política. Hoje, a sede local do Partido Comunista onde Mao viveu foi transformada num museu, com fotos, itens históricos e uma estátua de 7,1m que nos recebe, apontando o caminho. Há também uma ilha artificial, cheia de jardins, flores, laranjeiras, pessoas e uma outra estátua do rosto de um jovem Mao, com uns impressionantes 32 metros de altura, mesmo na extremidade da ilha, estendendo um olhar atento a quem passa pela cidade.

Mas nem só de Mao vive a cidade e, à imagem de toda a província, são várias as paisagens naturais que embelezam o horizonte. Para tal, não me retenho em Changsha muito mais tempo e numa madrugada rumo a Zhangjiajie, cidade próxima do enorme parque natural de Wulingyuan.

Quando compro um bilhete de comboio sei que não estou só a pagar pelo transporte, mas também pela atracção em si, como se de um parque temático se tratasse. Os tipos de bilhete podem ser para lugares deitados (subdividido em cama dura ou soft), sentados (mesma subdivisão) e em pé. Sim, em pé! Jogar com a sorte de haver lugares livres ou passar horas encostado a uma parede. E sim, o adjectivo duro não mente. Malas e sacos de todas as formas e feitios, com roupas, animais, vegetais e tudo e mais alguma coisa ocupam os poucos espaços livres, no chão, no caminho, entre pernas e onde mais couber.

Aqui cruza-se o coração da China. Sons de telemóveis, séries e filmes misturam-se com vozes, mascar, sorver de chás e um movimento constantes. Desfilam todo o tipo de snacks, sendo as patas secas de galinha um must e os noodles instantâneos uma banalidade. O dispensador de água quente é imprescindível, nunca tem descanso e há um por carruagem. Passa um homem com três telemóveis topo de gama ainda na caixa e pergunta se alguém quer comprar. Duvido que tenham garantia. O sol vai nascendo e com ele os campos e casas espalhadas por toda a paisagem ganham uma tonalidade dourada. À medida que me aproximo de Zhangjiajie, são mais as pessoas que circulam nas carruagens vendendo excursões para as montanhas, hotéis, motoristas privados ou restaurantes. Confio que consigo descobrir o caminho sozinho e saio da estação de mochila às costas.

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