Aterro em Changsha a meio da manhã e agradeço os 20°C que transformam o gelo de Pequim numa distante lembrança. Entre autocarros e metro, antevejo o horizonte da cidade, picotado por altos prédios, poucos acabados, muitos em construção, desde a periferia até ao centro da capital da província de Hunan. Como muitas outras cidades da China, Changsha está num trajecto de “uniformização do país”, um processo de implementação da mesma fórmula em diferentes lugares, sejam cidades ou vilas históricas, como se de edificação de colónias se tratasse.
Chego ao hostel, que é na verdade um apartamento dividido entre amigos e onde se torna difícil distinguir quem é hóspede ou residente. Um pouco de chinês de um lado, um pouco de inglês do outro, muita boa vontade e a comunicação faz-se com sucesso. O sorriso é um desbloqueador quase infalível. Durante o primeiro ano no “País do Meio”, ou se aprende a sorrir ou tudo se complica: “méi guanxi”, sem problema, diz-se. Depois vêm as experiências caricatas, os choques culturais e afins. Cada um constrói para si uma imagem do que é a “verdadeira China”. Porém, quanto mais tempo se continua aqui, menos se percebe o que esse conceito significa.
Quatro anos passados e continua a ser difícil descrever este país. A China está a atravessar um período histórico, marcado por uma explosão do crescimento interno, um desenvolvimento vertiginoso e também por muita incerteza. O que ontem era uma pequena cidade, hoje alberga milhões de habitantes em numerosos arranha-céus. Vilas que não vinham em mapas são hoje destinos turísticos para centenas de excursões. A escala de desenvolvimento, construção e movimentação de pessoas é incomparável. Por querer observar in loco esta mudança, rumo ao Sul do país, onde espero encontrar um pouco de tudo: cidades e vilas em reconstrução, natureza e uma cultura distinta. Sinto que viajar é uma constante perseguição de imagens e da mesma forma que o país muda todos os dias, assim as minhas imagens mudam também. Chamar-lhe “verdadeira China” é ingénuo e redutor, pois este país é imenso e intrinsecamente diferente, contudo procuro autenticidade e viver de perto este processo, a vários níveis. Hunan é a porta de entrada e Changsha a primeira paragem.
Changsha não vem nos roteiros turísticos, o que poderia ser um indicador do seu reduzido tamanho, porém já ultrapassou os sete milhões de habitantes. O tal processo de uniformização já está instalado: construções desenfreadas, prédios gigantes até perder de vista, estradas largas que fazem correr um trânsito constante. Fruto deste rápido crescimento, nota-se também uma mistura com um certo ruralismo, como se fosse uma aldeia que passou pela puberdade em apenas um dia. O perfeito exemplo surgiu enquanto deambulava pelas ruas monótonas até entrar num estreito e longo labirinto com pequenas lojas sem portas que abriam directamente para a rua.
Já vi muitos mercados de rua mas este ganhou pela variedade da oferta! Motas e transeuntes caminhavam entre carnes penduradas, galinhas e patos em gaiolas à espera de serem escolhidos e “preparados”, redes de pesca com sapos prontos a serem escamados vivos, vegetais, fruta, tecidos, sapatos, serralharias a trabalhar em novos carrinhos de comida de rua, vassouras e até cabeleireiros. Consigo adivinhar as funções de cada edifício por serem réplicas fiéis de outras cidades, tal como a linha de metro e suas estações, e as ruas povoadas de centros comerciais, de lojas de tudo e de restaurantes são indistinguíveis de outras localidades.