Numa curva da picada, a caminho de Olifants, aparece um par de rinocerontes de focinho rectangular, uma máquina de cortar relva; rapam a erva, reviram as orelhas para trás e para a frente, alternadamente, em acústica vigilância; às tantas desatam aos saltinhos sobre a esponjosa base das patas — quando fogem são como bailarinos em palco. Basta um espirro para os assustar. Aos rinocerontes-brancos, bem entendido, já que os outros, os rinocerontes-pretos, em muito menor número e mais arredios, são muito menos delicados e bem mais temperamentais. Entre os rinocerontes-brancos, um ou outro pode até vir coçar o marfim no pára-choques do veículo. Uma emoção para os visitantes, o silêncio só quebrado pelos cliques das câmaras e pelos corações aos pulos.
Continuamos e mais à frente cruzamo-nos na picada com outro jipe. Um sinal do condutor e ficamos saber que ali a uns cem metros, depois de uma árvore de pau-ferro, há um leopardo dormindo na forquilha de uma árvore. Mal descortinamos a cabeçorra lá em cima, o corpo oculto pelo labirinto de ramos retorcidos e pela folhagem. 40 graus, o bicho não se mexe, tem os olhos cerrados, parece nem dar pela presença do jipe. Na véspera, um outro escapou-se-nos, fugaz, entre as ervas, mesmo ao lado do veículo, numa curva da picada — foi visão de uns fragmentos de segundo. As girafas, essas, dão mais nas vistas: esticam bem o pescoço, bamboleiam-se de saltos altos.
Na última hora da tarde uma grande manada de búfalos atravanca a estrada, é preciso paciência; um deles, grandalhão, com porte de macho dominante, estaca longos minutos a fitar-nos — territorial e teimoso, quase nos faz perder o regresso a tempo ao camp de Olifants.
Tal como no dia anterior, avizinha-se um temporal, uma boa animação meteorológica. Vento, rajadas de boletim, céu carregado, nuvens pardas, cúmulos-nimbos sombrios, clarões na distância, as cigarras excitadas em uníssono redobram o canto ritmado. E os versos de Georges Brassens na memória, gratos já pela dádiva que virá: “Falem-me de chuva e não de bom tempo / O bom tempo irrita-me e faz-me ranger os dentes, / O céu azul enfurece-me / Porque o mais belo amor que vivi sobre a terra / Devo-o ao mau tempo, devo-o a Júpiter / Caiu-me de um céu de tempestade”. Júpiter, sábio, não cuida apenas dos destinos humanos. Destes dilúvios também colhem benefício os bichos e a terra.
Breve manual do viajante
O primeiro passo é adquirir um guia e um mapa, gesto que tornará obsoleto e irremediavelmente inútil este “manual”. Claro que o viajante ou o excursionista poderão decidir avançar sem o préstimo de guias ou consultores, engendrando epicamente uma “aventura pela África selvagem”, com outras aspas dentro das aspas, adquirindo um chapéu à Indiana Jones e simulando-se explorador oitocentista de mundos novos (mais aspas). Não é boa ideia: o Parque Kruger é um espaço (bastante) regulado, o que significa a circunstância de um certo número de regras que convém levar a preceito. Sem menosprezar o facto de que os bichos estão em sua casa e têm as suas idiossincrasias, os seus modos e manias naturais, o que exige saber como evitar mal-entendidos entre visitantes e visitados. Incidentes fatais, ou não, acontecem regularmente.