Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
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Uma lágrima, dez praias e mil sorrisos

Caminho, seguindo o conselho de Rami Nielsen, para a esquerda; para a direita, como uma varanda sobre o mar, avisto uma elevação que deve ser um miradouro com uma panorâmica soberba sobre a grande extensão de areia de Uppuveli; no final, identifico uma forte corrente de água que não me convida à travessia mas um barco pequeno aproxima-se, com dois homens em pé que parecem perscrutar nos meus olhos uma necessidade de consolo, talvez um pouco semelhante à de um náufrago — encostam a embarcação o mais que podem à margem e incitam-me, com gestos e sem palavras, a saltar para o interior, para me levarem até ao outro lado, onde a vida ganha mais vida e, como garantira a norueguesa bem-humorada, mais cor.

Há barcos ancorados, outros a chegar, outros ainda a partir; uns descarregam grandes quantidades de peixe, alguns partem para a pesca, mas a maior parte lança-se aos perigos do mar pouco depois da meia-noite e volta entre as seis e as sete da manhã — e todos os barcos, mais modernos ou mais primitivos, estão pintados de tonalidades que prendem o olhar. As palmeiras, com os seus troncos esguios e as suas folhas, reflectem-se nas águas como num espelho; contra o céu, cada vez mais azul, recorta-se, numa estabilidade precária, um pescador solitário e, ainda mais para lá, quase sobre a linha do horizonte, um cargueiro sulca as águas cada vez mais prateadas do imenso oceano.

Um caminho, em parte alcatroado, em parte em terra batida, bordejando o riacho que serve de porto de abrigo aos barcos e aos pescadores, conduz-me até um pequeno bar de paredes escurecidas e despidas; logo atrás, o mercado fervilha de vida, os vendedores, curiosos face à presença de um único turista, desviam os olhares das balanças rudimentares onde pesam o peixe para me observarem antes de me sorrirem, como quem, ao fazê-lo, aceita a minha presença. Homens com a água até à cintura, por vezes de lenço na cabeça para se protegerem do sol que já promete incendiar tudo à sua volta, atiram as suas redes e olham para aqui e para acolá de uma forma sonhadora ou apenas ausente.

Vestígios de turbulência

A vida, vivida de novo com alegria, entronca por vezes nos fantasmas da morte que a memória vai guardando num canto, como um utensílio sem utilidade que salta à vista quando se abre um armário. Aos poucos, um lugar martirizado, turbulento, reencontra a sua quietude, o ritmo de anos não muito distantes em que recebia, de sorriso emoldurado no rosto, os turistas com vontade de chegar e de adiar a partida. Quem avista pela primeira vez a praia de Uppuveli sente que tem tudo e nada mais deseja, mas Uppuveli oferece outros atractivos, um deles encerrando uma história triste e que se escreve no bem preservado cemitério da guerra da Commonwealth, servindo de última morada a mais de 600 homens que morreram em Trincomalee durante a II Guerra Mundial, a maior parte deles na sequência de um raide japonês no dia 9 de Abril de 1942 que afundou mais de uma dúzia de navios. Agora, nesta zona onde os bombistas suicidas dos Tigres de Libertação do Eelam Tamil (LTTE) usavam as embarcações para enfraquecerem o moral das tropas inimigas, colocando minas e lançando torpedos, a marinha já autoriza de novo excursões até Pigeon Island, e que os barcos, embora com poucos turistas ainda, cortem as águas do mar em busca do momento mágico em que se avista uma baleia ou um grupo de golfinhos. 

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