Fico, durante uma hora ou mais, a observar a pitoresca Dutch Bay, com os seus barquinhos coloridos, uma vez ou outra ajudo os pescadores a arrastarem para a areia as suas frágeis canoas, converso com eles e depois, sob um sol tórrido, caminho na direcção do Forte Frederik, construído pelos portugueses, reconstruído pelos holandeses e com uma porta que também é um túnel repleta de insígnias britânicas. Parte da estrutura está ocupada pelos militares mas ninguém me impede a entrada e, ao contrário do que sucedia ainda num passado recente, já não há lugar para qualquer medida de segurança — um soldado, curioso e sorridente, oferece-me mesmo uma manga acabada de colher e que tempera com sal. Com outros dois subo até me sentir um anão ao lado da imponente estátua de Buda que domina o templo Gokana e, agora sozinho, avanço ainda mais, ao encontro de Swami Rock, um penhasco que se eleva a 130 metros e vulgarmente designado como o salto dos amantes.
A panorâmica sobre Trinco, o mar e os barcos com as suas tonalidades bem definidas, sobre a Back Bay, mesmo até bem mais para lá, abarcando Uppveli, tudo prende a minha atenção antes de focar o meu olhar numa antena de rádio que se projecta mesmo em frente a Swami Rock. Neste lugar, existia em tempos um mítico palácio habitado por um demónio de dez cabeças, o rei Rawana, anti-herói de Ramayana, a quem supostamente terá raptado a mulher, Sita, levando-a para o Sri Lanka juntamente com o Swayambhu Lingam que recolhera no topo de uma montanha tibetana e que logo começou a ser objecto de veneração.
O mar, aos meus pés, está sereno.
Muitos anos mais tarde, em 1624, os portugueses destruíram o templo no dorso do rochedo escarpado, lançando toda a estrutura, incluindo o lingam, nas águas do oceano. O símbolo fálico apenas foi recuperado em 1962 por uma equipa de mergulhadores que tinha como companhia Arthur C. Clarke — o escritor descreveu a experiência em The Reefs of Taprobane e o operador de câmara, Mike Wilson (1934-1995), o primeiro a ver o lingam, viveu uma experiência tão profunda que renunciou à sua carreira e à própria família para se tornar no hindu Swami Siva Kalki.
Ao encontro de Arugam
No terminal, por onde se passeiam os veados, apanho um autocarro com destino a Batticaloa mas peço ao motorista para me deixar uns quilómetros antes, num cruzamento, em Valaichchenai. À boleia, com um padre protestante, e a pé, chego a Passekudah, uma curva de areia de cortar a respiração, onde os coqueiros se lançam sobre as águas cristalinas entregues a uma única família que vive um momento de felicidade e numa simplicidade que contrasta com a imponência do resort recentemente construído quase sobre a praia e vigiado por um segurança. Também eu me sinto feliz por ver Passekudah nesta quietude mas imagino já a praia daqui a uns anos, quando, uma vez cumprido o desejo das entidades governamentais, for quase engolida por 14 hotéis luxuosos, enchendo de satisfação alguém que um dia sonhou em transportar Cancún para o Sri Lanka. Ando um pouco mais, uns dois quilómetros, para sul, pelo meio da vegetação, e chego a Kalkudah, uma bonita baía, uma meia dúzia de turistas e alguns pescadores com quem vou conversando estendido na minha toalha, grato por abraçar este cenário de fantasia, sobre as areias finas que de quando em vez me conduzem às águas que rebrilham à minha frente.