Fugas - Viagens

  • Humberto Lopes
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Um país que não cabe no mapa

A vida não é um rio tranquilo

O litoral recortado e os caminhos difíceis, uns de terra (mal) batida, lamacenta em tempo de chuva, outros sem sinalização que não seja a da linguagem falada por subtis acidentes naturais, árvores ou arbustáceos em monólogos de solidão, atiram o Sul, depois de Quebo, para lonjuras ansiadas pela curiosidade do viajante. O Parque Natural das Lagoas da Cufada está mais ao alcance, nas acessíveis imediações de Buba. O lugar está inscrito na lista da Convenção de Ramsar com o mérito que advém de ser uma zona húmida de importância extraordinária para a migração de aves europeias que ali se refugiam do tempo invernal. Entre aves viajantes e outras espécies autóctones, há flamingos, pelicanos, garças, tucanos, crocodilos, gazelas. E também chimpanzés. As populações mais setentrionais do continente africano vivem aqui e também lá para os lados de Jemberem, nas florestas do Parque Nacional das Florestas de Cantanhez, um pouco mais a sul, na orla da fronteira com a Guiné-Conakri, numa vasta área de mais de cem mil hectares a que o World Wild Fund atribui extraordinário valor. Está lavrado em papelada oficial: é uma das duzentas eco-regiões mais importantes do planeta. Ali chegados, depois de longas horas de viagem, estamos num dos santuários mais importantes para o desenvolvimento do impressionante potencial de ecoturismo do país.

Não é fácil pôr-lhes a vista em cima, aos chimpanzés, mas não é impossível, arregimentado um dos guias do parque para umas caminhadas e umas horas de espera no interior da que é a última mancha de floresta primária da Guiné-Bissau. Se a fortuna não estiver do lado dos visitantes, pelo menos a gritaria destes esquivos bichos haverá de lhes chegar aos ouvidos. Contente-se o forasteiro: os chimpanzés não são os únicos inquilinos destas terras remotas, habitat também de outras aristocráticas espécies, como o macaco-fidalgo, o pavão e o antílope.

O caminho até lá é feito de picada longa e estreita, de terra vermelha, correndo entre palmares e floresta seca, afluentes do rio Cacine e uns tantos solitários embondeiros pontuando a paisagem; transita-se por Guiledje, um dos locais míticos, digamos assim, como acertado seria também dizer penosos, da guerra colonial ou de libertação. A região chegou a estar sob controlo do PAIGC e ali se travaram duras batalhas que os protagonistas de ambos os lados não esquecem. Por isso lá temos de vez em quando um encontro entre antigos inimigos. Diz um provérbio da região que não se lava o sangue com sangue, mas com água.

No regresso a Bissau, com o ossos moídos pelos solavancos, estacionamos em Buba. Há por ali pousada com vista para o Rio Grande de Buba. Assim se chama este copioso caudal de águas que se ramificam em delta, como se de uma imensa e prolífica rede de rias se tratasse — é assim que o cenário aparece aos olhos do viajante. É fotogénico, muito, como todo o afortunado litoral da Guiné. Ali observamos, de novo, as árduas labutas das gentes do país, transfiguradas em seres anfíbios entre terra e água, entre bolanhas e braços labirínticos de águas fecundas, bonançosas para a pesca.

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