Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro

Continuação: página 5 de 7

México: dois mergulhos no mar e dois banhos em terra

Volto quando a tarde avança à conquista da noite, quando as sombras são agora mais compridas e com tempo para ver a nora sobre o cenote Sis-Hádel, de onde se extraíram artefactos pré Cristóvão Colombo e da época dominada pela coroa espanhola que posso admirar, em jeito de despedida, no museu do convento. É tempo de regressar à praça, de subir a um dos campanários, não sem antes mergulhar na Calzada de los Frailes, imitando os franciscanos que a utilizavam para chegar ao centro do povoado mas num tempo em que casas coloniais, hotéis, lojas, museus, fontes e jardins não eram iluminados por uma luz tímida que lhe confere nos dias de hoje tanto charme.

A ilha dos mitos

Ao longe, avisto as casas térreas de cores garridas de San Miguel de Cozumel e, para o outro lado, extensões de areia branca que namoram águas preguiçosas de um azul turquesa. Cozumel orgulha-se de proporcionar 300 dias de sol e temperaturas entre os 25 e os 30 graus ao longo do ano mas esta ilha com 80 mil habitantes, conhecida como tierra de golondrinas (Ah-Cuzamil Peten significa, na língua maia, terra das andorinhas), acolhe também vestígios da civilização maia.

Alugo um carocha de um amarelo-vivo que contrasta com o azul do mar mas começo a exploração da ilha por San Miguel de Cozumel (onde vive a maior parte da população), com um interessante museu que exibe objectos pré-hispânicos e outros encontrados nos galeões afundados pelos piratas, bem como a zona arqueológica San Gervasio, onde alegadamente se pode visitar um santuário dedicado a Ixchel — na verdade, não há, em Cozumel, qualquer prova documental que garanta a sua existência, ter-se-á, quando muito, fabricado um mito nos primeiros anos do século passado.

Sentado num rudimentar banco de madeira, observo uma iguana dominando outra, num gesto agressivo que contrasta com a docilidade do tapete azul que se estende à minha frente e que se perde no horizonte. Uma hora depois, recortadas contra um céu também azul que parece rivalizar com o mar, avisto Minerva Bahena e Cátia Grimaldi.

- Estou apaixonada por esta ilha. Que combinação perfeita entre entretenimento e tranquilidade. Em Cozumel pode-se fazer de tudo um pouco: compras, mergulho, nadar com os golfinhos ou simplesmente relaxar na praia, observa a primeira, despertando cada vez mais a minha vontade de partir à descoberta daquela que é, com cerca de 50 quilómetros de comprimento e pouco mais de 15 de largura (na parte mais larga), a terceira maior ilha do México — curioso como também se foi criando outro mito, de que Cozumel é a maior ilha do país, um erro que terá nascido do facto de ser, de facto, a mais extensa do mar das Caraíbas e a que mais habitantes acolhe, embora ocupando uma área inferior à da Isla Tiburón e da Isla Ángel de la Guarda.

- E que água, tão cristalina. Nunca mais esquecerei Palancar e toda essa vida marinha, assegura Cátia Grimaldi.

As duas regressam a Playa del Carmen e eu sigo no carocha amarelo, parando aqui e acolá, mergulhando e estendendo-me sobre as suas areias finas, imaginando como seria há 2000 anos, quando já era habitada, esta ilha que seduziu piratas como Henry Morgan e Jean Lafitte ou mesmo, mais tarde, no início da década de 1960, Jacques Cousteau, o explorador dos oceanos a quem, erradamente, se atribuiu a responsabilidade de ter colocado Cozumel no mapa turístico (dos adeptos do mergulho). Em 1955, o francês produziu, juntamente com Louis Malle, um documentário de quase uma hora e meia entitulado Le monde du silence (o mesmo do livro publicado por Cousteau e Frédéric Dumas dois anos antes) com cenas debaixo de água. O filme foi Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1956 e ganhou um Óscar no ano seguinte para o Melhor Documentário mas, contrariamente ao mito que foi criado, não teve Palancar, em Cozumel, como cenário. A ilha soube tirar partido dessa publicidade enganosa e do mesmo se terá aproveitado também o cineasta Lamar Boden, que, sob a direcção de René Cardona, filmou, em 1956, Un mundo nuevo nas águas de Cozumel — e, com ele, chegaram os turistas. Hoje há um recife de coral chamado Cardona. Mas não um Cousteau. Com um ou com outro, Cozumel teria de ser descoberto um dia. Já não será un mundo nuevo mas é ainda, pelos menos em alguns recantos, le monde du silence

--%>