Continuo a escutar atentamente as palavras de Simone Raskov.
— Essen tem 3100 hecatres de espaços verdes e florestas. Mais de metade da área municipal é constituída de zonas verdes e espaços abertos, como água, florestas, campo e espaços verdes urbanos.
Uma vez ou outra, antes de me confrontar com estes dados, regressava à Islândia, com a insegurança de não ser capaz de escrever um artigo sobre a cidade verde, outrora cinzenta. Como um pesadelo.
— Essen?
A pergunta soa com insistência, martela-me, talvez porque ainda não sei de que é feita a minha errância pela cidade que, por agora, apenas observo tendo uma janela como moldura. Por instantes, consigo abstrair-me das palavras desta mulher que olha Essen como um jardim para me focar na história da família Krupp.
Há pouco mais de 200 anos, em 1811, quando Friedrich Krupp e mais dois sócios fundaram a companhia, trabalhando o aço para os ingleses, provavelmente nenhum deles esperava ver-se a trilhar os caminhos do insucesso. Mas, em 1826, ano que coincidiu com a morte do principal proprietário, a empresa estava já há algum tempo mergulhada em dívidas. O filho, Alfred, nessa altura com apenas 14 anos, assumiu o controlo dos negócios e, lembrava-me agora, eu não era muito mais velho quando passara, pela primeira vez, por Essen, pouco ou nada preocupado com aquilo que me podia oferecer, fosse verde ou cinzento — e não seria muito, uma vez que não retenho uma única memória da cidade.
Escuto Simone Raskov.
— E, nos últimos anos, um facto entendido como um grande peso tornou-se, efectivamente, num privilégio: em contraste com muitas zonas de concentração urbana, como, por exemplo, Munique ou Viena, no Ruhr há muitas áreas de campo em desuso, em tempos utilizadas pela indústria. Nos últimos dez anos, o programa de acção municipal, Essen, novos caminhos para a água criou 150 quilómetros de trilhos pedonais e para ciclistas entre o vale de Emscher, no norte, e o vale do Ruhr, no sul, contribuindo para eliminar a separação urbana entre norte e sul na área municipal de Essen.
Memórias da guerra
Na minha ansiedade, tinha vontade de correr para o exterior, para sentir o pulso da cidade que conhecia apenas de palavras, de uma passagem fugaz e do estigma que a jovem alemã, pelo meio da paisagem islandesa, me transmitira. Ao mesmo tempo, embora ouvindo Simone Raskov com toda a atenção do mundo, falando de Essen, também escutava, aqui e acolá, os ecos que alguma leitura me proporcionara, aparentemente distorcida pelo presente em que navega a cidade que este ano se veste de verde.
Há quem jure que não havia aço de melhor qualidade no mundo do que aquele que era produzido pela Friedrich Krupp AG, uma companhia que, na parte final do século XIX, em 1887, empregava mais de 20 mil trabalhadores. Krupp era, por essa altura, sinónimo de inovação, com tanta fama além fronteiras que, ignorando as suas práticas cruéis no mundo dos negócios, os americanos acederam a adquirir rodas e trilhos para as suas ferrovias, bem como a chapa de aço inoxidável para o edifício da Chrysler em Nova Iorque. A companhia não se detinha na sua ambição: tanto deu ao mundo o primeiro motor a gasóleo, como a primeira locomotiva com turbina a vapor, da mesma forma que, produzindo temíveis armas, possibilitou aos alemães semear o horror do Blitzkrieg durante a II Guerra Mundial.