Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
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Quantos mundos cabem numa ilha de sol e praia?

O centro da primeira cidade de Tenerife conserva ainda muitos edifícios históricos e o traçado urbano que seria mais tarde replicado em várias cidades coloniais na América Latina. “Foi desenhado como se fosse um campo militar romano”, descreve Catherine. As ruas formam um padrão quadricular, mas “cruzam diagonalmente”, em espinha, para facilitar a defesa da cidade. A arquitectura e os tons torrados das fachadas transportam-nos para os países do Sul da América, com as diferentes culturas a influenciarem-se mutuamente ao longo do período de colonização espanhola.

Foi na casa amarela da Plaza del Adelantado que nasceu Anchieta, o padre jesuíta que fundou a cidade de São Paulo, aponta a guia. As “muitas comunidades” latinas que vivem actualmente na ilha traduzem-se em embaixadas e consulados nas ruas do centro histórico. Argentinos, cubanos, venezuelanos. Na Plaza de la Concepción, o México ocupa um edifício inteiro. Por cima, o consulado honorário. Por baixo, uma taquería. Mas na montra de uma pastelaria junto à catedral, é Portugal que vemos, em travessas de rabanadas e pastéis de batata doce, que aqui se chamam torrijas e truchas de batata. Juntamente com os rosquetes, são as iguarias mais típicas da Dulceria La Catedral, aberta em 1914 pela avó de Maria Carmen, que hoje não tem mãos a medir. Da vitrina saem torrijas e caixas de gulodices.

Os antigos edifícios governamentais e militares, os palacetes, as igrejas e os conventos sucedem-se em fachadas bordadas a pedra vulcânica e janelas em caixilhos de madeira. Abundam cafés com esplanada, lojas e livrarias numa cidade que ainda é considerada a capital cultural de Tenerife. É a “cidade dos estudantes”, que frequentam a mais antiga universidade das Canárias, fundada em 1792. Antes de partirmos, já de regresso à Plaza del Adelantado, Catherine aponta para uns pequenos buracos rectangulares no edifício negro ao lado do antigo convento de Santa Catalina de Sena. “Ficou fechado muitos anos porque não havia herdeiros, mas as pessoas deviam pensar que era um posto de correios. Quando agora voltaram a lá entrar encontraram dezenas de cartas de amor, de familiares para a Venezuela...”

No miradouro de Jardina, em direcção ao Parque Rural de Anaga, Braulio Santiago divide-se entre a venda de frutos e a arrumação da roda-viva de carros que aqui param para se abeirar das vistas panorâmicas sobre San Cristóbal de La Laguna. Vista cá de cima, aninhada entre montes verdejantes, custa a acreditar que a antiga capital fica 550 metros acima do nível do mar. Há 12 anos que Braulio, de 65 anos, vem quase todos os dias para este miradouro vender petiscos aos turistas e arredondar o salário com as gorjetas que lhe dão pelas dicas de estacionamento. Do porta-bagagens da carrinha saem prateleiras, gavetas de madeira e armários improvisados com sacos de bananas, melões, uvas e frutos secos.

Enganamos a fome com um saco de figos secos embrulhados em pó de açúcar e subimos à floresta de laurissilva de Tenerife, vestígio da Era Terciária. A vegetação é semelhante à existente na ilha da Madeira, mas é em Sintra que nos sentimos à medida que entramos no bosque de troncos torcidos e ar fantasmagórico q.b.. “Numas das vezes em que vim cá havia vestígios de magia negra. Uma cruz em branco no chão e flores”, recorda Catherine. “Disseram que era normal. De vez em quando encontram aqui rituais.” O Parque Rural de Anaga é uma das áreas naturais protegidas de Tenerife. São muitos os percursos pedestres que percorrem os  seus 14,5 hectares, alguns por caminhos que terminam em pequenas praias remotas.

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