Há música nas rochas de Santa Cruz de Tenerife. O auditório desenhado por Santiago Calatrava impõe-se sobre um promontório da capital da ilha e, por momentos, nada mais existe além do polémico edifício, expoente máximo da arquitectura contemporânea na ilha e uma das atracções turísticas da cidade. Muitos tenerifenhos já pouco vêem além do gasto de dinheiro público numa construção com falta de acústica e repleta de cicatrizes do tempo, treze anos depois da inauguração. Nós, que não passamos da porta, alheios ao orçamento milionário, pomo-nos a contemplar por esta espécie de corpo gestaltiano, que se transfigura consoante a perspectiva. O casco de um navio, um capacete romano, uma lua minguante, uma fortaleza, um insecto delicado. O limite é a imaginação. Por momentos, nada mais existe, dizíamos. Porque mais nada parece chamar à atenção nesta zona da cidade, feita de prédios e de armazéns de apoio a um dos principais portos da ilha. Apenas o edifício branco, nós e alguns turistas de máquina em riste. A cada passo, uma foto diferente. Até que nos afastamos para encaixar todo o edifício nas fotografias e descobrimos um melódico tesouro à beira-mar.
É que dão música, as rochas deste pedaço de costa em Santa Cruz de Tenerife. A história de uma arte canta de seixo em seixo, embalada no ritmo do suave marulhar. Jimi Hendrix, Elvis Presley, Madonna, Janis Joplin, Brahms. Cem rostos icónicos do mundo da música sobressaem nos rochedos. Uma exposição de “retratos para melómanos”, lê-se numa das rochas, obra de Stoyko Gagamov. Foi em 2011 que a música deu à costa em Santa Cruz de Tenerife, quando o artista búlgaro, radicado na ilha espanhola desde 2008, começou ali a deixar, quase todas as manhãs, mais uma figura da ecléctica coletânea, ficaremos mais tarde a saber. Elton John, Miles Davis, David Bowie, Chopin. Corremos a costa como quem colecciona cromos, à procura dos artistas preferidos. Entre os desenhos, um pescador lança a cana ao pôr do sol de Tenerife, alheio à sinfonia que entoam as rochas. O rádio portátil sintoniza um jogo de futebol.
A capital da maior ilha das Canárias é uma cidade cosmopolita, com um centro histórico repleto de bares, restaurantes, cafés, esplanadas, lojas de souvenirs e grandes marcas internacionais. Aqui e ali, sobressaem edifícios de arquitectura contemporânea, como o Tenerife Espacio de Artes, no centro da cidade, que inclui salas de exposições e biblioteca, entre outras valências, e o Auditorio de Tenerife, uma das obras mais conhecidas do arquitecto catalão. Santa Cruz será porto de abrigo desta breve viagem a Tenerife e ponto de partida para a descoberta da ilha. De manhã, partimos da actual para a antiga capital da ilha, que a expansão urbana uniu numa única área metropolitana.
História, da cidade à floresta
“A vida normal está no Norte da ilha”, conta a guia Catherine Michel enquanto subimos a San Cristóbal de La Laguna. Tudo o que é típico, histórico e tradicional concentra-se na região Norte, a primeira a ser povoada, assim como a maioria dos serviços e da população residente. Fundada no século XV por Alonso Fernádez de Lugo, responsável pela conquista definitiva das ilhas Canárias pela coroa de Castela, San Cristóbal de La Laguna foi uma das primeiras cidades coloniais não amuralhadas a ser construída, facto que levou a UNESCO a declará-la Património Mundial em 1999.