Fugas - Viagens

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Diz-me, espelho meu, há aldeia mais bela do que eu?

Por Sousa Ribeiro

Hallstatt, com menos de 800 habitantes, é um postal alpino que atrai, todos os anos, meio milhão de visitantes. Os utilizadores do Instagram já a consideraram a aldeia mais bonita da Europa. É um lugar de rara beleza, sim, mas também rico numa história intimamente ligada à exploração de sal.

Nuvens baixas, inofensivas, parecem atraídas pela possibilidade de lhe tocar, mesmo que ao de leve. Mas é o sol que a doira, realçando as suas tonalidades que se espalham, bruxuleando, pelas águas de um verde opulento. Para cima, as montanhas, austeras, como que despidas de humor, assumem o aspecto de um guardião que está ali, noite e dia, para preservar a aldeia. O sal também preserva.

Olho para Hallstatt, ainda à distância, para as suas casas, para a agulha da igreja que ameaça o céu, para outra, mais antiga. Todas se olham no espelho que é a superfície serena do lago. Diz-me, espelho meu: há aldeia mais bela do que eu?

Hallstatt – a natureza nada lhe negou. E até o sal lhe presenteou.

Na margem do lago homónimo e aos pés dos montes  Dachstein, por vezes verdes, por vezes com os seus picos nevados, elevando-se a quase três mil metros, Hallstatt mantém o encanto das suas minas de sal, tão velhinhas, tão cansadas de viver. Situadas nas montanhas que encimam Hallstatt, admite-se que já eram exploradas no Neolítico, uma possibilidade que foi ganhando consistência com a descoberta de artefactos nas suas proximidades que remontam a 5000 anos a.C., muitos deles expostos no impressionante museu local.

A existência de Hallstatt, na Áustria, está também associada a uma lenda: um caçador da Idade da Pedra, seguindo pegadas de animais, chegou ao topo da montanha e de repente avistou uma fonte brotando da terra. Embora com sede, sentia-se curioso em determinar o número de pistas de animais em volta da nascente e, com os dedos, iniciou a contagem — até perceber que eram mais os rastos do que os dedos das mãos. Por momentos, o caçador mostrou-se intrigado. Ele não percebia a razão que levava os animais a trepar a montanha quando havia tantas fontes no vale. Finalmente, decidiu provar a água mas logo a cuspiu, tão estranho era o sabor e só depois, olhando à volta, se apercebeu de que também as plantas estavam cobertas com uma crosta branca e brilhante. O caçador já havia escutado histórias sobre o sal, da sua capacidade para conservar a carne e tinha uma ideia de quantas peles de animais seria obrigado a comercializar para o adquirir. Agora, naquela montanha, ele via sal pela primeira vez; ele descobrira uma mina de sal.

A própria toponímia de Hallstatt deriva de hall, a palavra celta para sal e, na verdade, foram os celtas os primeiros a beneficiar desta indústria lucrativa, alegadamente por volta de 4500 anos antes do nascimento de Cristo. 

Admirável mundo subterrâneo

Mais tarde, entre 800 e até 500 anos a. C., Hallstatt caracterizava-se pelas suas galerias que pareciam não ter fim, repletas de sódio, dessa pedra esbranquiçada cuja comercialização estimulava sonhos de riqueza, numa época em que ainda nem sequer se sonhava com refrigeração. Essas minas, com uma existência tão singular, consideradas as mais antigas do mundo, fazem parte, nos dias de hoje, de um dos itinerários tradicionais para o viandante moderno, carente de ouvir, da boca daqueles que evocam o passado, que Hallstatt conheceu um período pré-histórico, que de Hallstatt saiu a denominada Cultura de Hallstatt (entre 1500 e 500 anos a. C., espalhando-se pela Europa Central) ou uma madrugadora Idade do Ferro.

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