Faz todo sentido, portanto, falarmos em Euskal Herria, onde o euskera é a língua franca. Muitas das crianças, por exemplo, só têm contacto com o espanhol na escola, por isso não surpreende que não consigamos comunicar com o filho de três anos de um jornalista de uma estação de televisão local com quem nos cruzamos por acaso — ele na sua vida normal, nós vindos do mercado de Ordizia, um dos mais importantes do País Basco de produtos frescos, organizado há mais de 500 anos todas as quartas-feiras. Não se pense, contudo, que Goierri é um local remoto: San Sebastian (Donostia, chamada Donosti por aqui, a capital da província) está a meia hora, Vitoria (Gasteiz) a 45 minutos e Bilbau (Bilbo, mas a única cidade que nos painéis de indicações surge sem o nome basco) a uma hora de distância — isto até que se conclua o pequeno troço que completará a auto-estrada que une as duas regiões. “Depois será cerca de meia hora, 40 minutos”, assegura Ion. Pelo menos até Beasain, o nosso “quartel-general”, uma das principais cidades de Goierri (uma das oito regiões de Gipuzkoa), com 18 municípios. Aliás, Beasain, Ordizia e Lazkao funcionam quase como uma “grande” (entre aspas porque é a medida de Goierri: têm respectivamente 14 mil, 10 mil e cinco mil habitantes) área metropolitana, sucedendo-se em torno da estrada N-I, uma das principais vias da região (e do país).
Se é verdade que algumas das aldeias por que passamos nesta curta estadia — mas que deu para percorrer quase toda Goierri, dada a sua pequena dimensão, que os mapas que vemos iludem — se apresentam como cenários idílicos, cheios de charme rural e grandeza de antanho, não é menos verdade que esta é uma região industrial. E isto surpreendeu-nos. Não só porque aqui se produzem equipamentos ferroviários (CAF) ou autocarros (Irizar) que “se podem ver por todo o mundo”; mas pela quantidade de zonas industriais. Talvez por isso haja tantas aldeias com menos de mil habitantes — e até de 250, como Zerain — prósperas. Muitos dos habitantes trocaram o trabalho a tempo integral nos campos pelo trabalho nas fábricas, “mais certo, com horários e bons salários”, dir-nos-á Eneko Goiburu, “pastor, produtor de queijo premiado, gestor de agroturismo, community manager, contabilista”, brinca. Aconteceu com um dos seus irmãos, o outro ficou com a mercearia da mãe na aldeia de Segura, às portas da qual está a queijaria — Eneko deixou Donostia, onde viveu durante 15 anos, trabalhando numa fundação de auxílio de idosos, para tomar conta do negócio da família. Mas, como vimos, também sobrevive a agricultura e a pastorícia, com a prática da transumância ainda viva.
E, neste mundo rural-industrial, onde saímos de uma auto-estrada e em dez minutos estamos num parque natural, guarda-se uma herança histórica que atravessa milénios e enforma a história do País Basco e também de Espanha. Desde os vestígios de monumentos funerários pré-históricos, como menires e antas, à centralidade medieval proporcionada pelo Caminho de Santiago e pelo Caminho Real — ambos impulsionadores do aparecimento de muitas das povoações e, sobretudo o último, “culpados” da existência de tantas casas brasonadas em aldeias pequenas —, às Guerras Carlistas, que no século XIX dividiram Espanha, e à exploração mineira que despertou o interesse de ingleses e alemães.