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Em Goierri bate um coração verde

Por Andreia Marques Pereira

Se há um bastião da cultura basca, poderá bem ser nas suas “terras altas”. Em Goierri, onde o rural domina e o industrial complementa.

Saímos de Portugal enquanto este ardia, chegámos ao País Basco com este a escaldar. As temperaturas inusitadamente altas (nos dois primeiros dias a rasar os 40º) acabariam, aliás, por se tornar um dos melhores desbloqueadores de conversas. O calor estava na boca de todos e todos confessavam a perplexidade, “nem em Agosto”, repetiam. Por isso, diziam, as casas nem sequer têm ar condicionado. Ironia das ironias, regressamos em vésperas de São João com as previsões a apontarem para chuva nesse fim-de-semana.

O nosso avião levanta entre nuvens cinzentas de Bilbau, Ion Ubide, o nosso guia, deixa-nos acreditando que quando chegar a casa, em pleno território Goierri, as Terras Altas bascas, já estará a chover. Não confirmamos, mas desejamos que não: é que em Goierri o São João significa festa rija em todas as cidades, vilas e aldeias; em Ormaiztegi vimos miúdos a alinharem um enorme monte de madeira, quase tudo tábuas velhas, algumas pintadas, para acender a fogueira. Na noite de São João é todo um flamejante paganismo que se solta nestas montanhas: Ion conta que numa dessas joaninas foi correr à noite para a montanha e por todo o lado se viam os pontos luminosos das fogueiras a arder. “É uma visão fantástica.”

Confiamos em Ion porque a nossa incursão na montanha, no parque Aizkorri-Aratz, um dos dois parques naturais que abraçam Goierri (o outro é Aralar, na fronteira com Navarra), não foi à noite, não houve fogueiras, mas também tem visões deslumbrantes. Não sabemos quanto durou a caminhada, quase sempre a subir. Primeiro, entre arvoredo denso, carvalhos sobretudo, atravessado por ribeiros tranquilos cujo correr é por vezes o único som que escutamos; depois já em campo aberto, erva verde-verde e cenários que se declinam entre colinas e montanhas no horizonte.

Num planalto, um rebanho e os seus badalos que são como espanta-espíritos — para trás fica uma antiga casa de guarda-florestal, que foi albergue e agora está abandonada. “Não fazia sentido ter um albergue tão perto de uma entrada”, a nossa, através de Zegama-Altsasu. Daqui já vemos o nosso “destino”, a gruta de San Adrián, mil metros de altitude e património mundial da UNESCO. Não vamos pelos caminhos “clássicos”, aqueles que ditaram que nesta gruta se construísse uma aldeia, o Caminho Real e o Caminho Norte de Santiago. Há uma série de rotas pedestres que se cruzam, devidamente sinalizadas, e nós lá chegamos à gruta, com “muralha” e portal em arco ogival. Pequena, custa a imaginar que ali havia alcaide, soldados, cantina, igreja — agora mantém-se uma ermida no seu interior e vestígios de escavações onde se encontraram provas de ocupação desde o neolítico. A altura da gruta vai diminuindo até chegar à outra saída (já para a província de Álava — esta era uma fronteira natural, com portagem), onde, diz-se, o imperador Carlos V teve de desmontar o cavalo e caminhar na sua rota para Madrid. Seguindo-lhe os passos por alguns metros, entre formações rochosas excêntricas, chegamos à calçada romana.

Foi por este território montanhoso que andámos durante dois dias. É o chamado coração do País Basco, na província de Gipuzkoa: Goierri significa mesmo terras altas e é também um bom chamariz turístico. A natureza é o que se espera, vários matizes de verde, bosques. A cultura basca está arreigada, com o basco a ser a língua falada e, por exemplo, os desportos das terras altas (como o levantamento de pedras) a terem um destaque especial numa área por si “aficionada” aos desportos — as vezes que passamos por ciclistas, mesmo nas horas de maior calor, são prova suficiente. Mas ainda ficamos a saber que aqui se realiza uma das maratonas alpinas mais famosas do mundo (que tem uma elevação cumulativa de quase 5500 metros) e, num único fim-de-semana (este ano 7 a 9 de Julho) um ultra trail de 168 quilómetros, outro de 88 e uma maratona com subidas 2300 metros. E a gastronomia sobressai, longe da cozinha moderna de San Sebastián, com a autenticidade rural e alicerçada num produto de excelência, o queijo de Idiazabal — nome de vila e de denominação de origem protegida para um queijo que é produzido em todo o País Basco e também em grande parte da vizinha Navarra.

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