A mais conhecida delas é a de um peregrino que, de passagem por Barcelos a caminho de Santiago de Compostela, se transformou no principal suspeito de um crime que alarmava a cidade. O homem declarou-se inocente, mas as autoridades prenderam-no e condenaram-no à forca. Na permissão de um último desejo, o galego conseguiu ser presente ao juiz que o havia condenado. O magistrado estava num banquete com os amigos quando o homem reafirmou a sua inocência enquanto apontava para um galo assado que estava na mesa: “É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem.” E diz a lenda que quando o galego ia ser enforcado, o galo se ergueu da mesa e cantou.
Mário Coutinho perdeu há muito a conta ao número de galos de Barcelos que já moldou e pintou. Começou há 35 anos, quando o pai perdeu o emprego numa fábrica de serração e decidiram montar uma olaria em casa. Faziam galos, músicos, pratos. Depois da morte do pai, Mário decidiu dedicar-se “exclusivamente aos galos”, conta, ao mesmo tempo que, com uma precisão impressionante, vai dando cor a um deles. Na Torre Medieval, espaço do Centro de Interpretação do Galo e da Cidade de Barcelos, onde volta e meia dá workshops de artesanato, costuma contar a lenda do peregrino salvo pelo galo, feito símbolo local e nacional e promovido pelo Estado Novo.
Há galos para todos os gostos em Barcelos. Mário molda-os em diferentes tamanhos. Podem custar um euro ou 200. Podem ser mais tradicionais ou menos. De uma ou muitas cores. Até com símbolos de clubes nacionais, conta, enquanto o prova desenhando uma águia em poucos segundos. Telmo Macedo, o mais novo da família de artesãos barcelenses, fá-los em estilo mais contemporâneo. Começou há uns “quatro ou cinco anos” depois de esbarrar na falta de oportunidades no Marketing, área na qual se formou. “Voltei-me para o barro por sugestão do meu pai.” Telmo foi treinando e ganhando o gosto. Faz galos, mas também diabos adaptados, bonecos que retratam profissões (qualquer uma por encomenda), santos minhotos.
Não é comum, mas Telmo, 24 anos, é o primeiro da sua família a trilhar os caminhos do artesanato barcelense. Os bisavós eram já devotos da cerâmica e o pai seguiu-lhes o exemplo, mas o foco dele eram os presépios e as cascatas são joaninas. “Eu fiz outro caminho”, conta, enquanto vai pintando galos numa oficina instalada nas traseiras da casa dos pais, pósteres gigantes do FC Porto e gaiola improvisada com um esquilo na janela como companhia. Quando começa a dar forma a uma peça, Telmo Macedo já sabe como a vai terminar. Ao contrário do futuro, do qual não vê a forma final. “Quando as gerações mais velhas se forem não sei... não sei mesmo. A única coisa que tenho a certeza é que o meu futuro é na cerâmica.”
João Coelho tem a família com ele. Dois filhos, a mulher, uma irmã, a nora. Uma alegria e uma preocupação ao mesmo tempo, diz, a lamentar-se dos dias maus do negócio que já foi grande. Aprendeu com os avós a trabalhar na roda de oleiro, a colocar a louça ao sol, a amassar o barro com os bois, a limpar as cinzas dos fornos. Hoje quase tudo é diferente. Menos o coração como motor de criação: “A cerâmica é uma paixão e quem não a faz com paixão só cria monos”, afirma em jeito de aviso. Quando termina uma peça — por ano faz milhares —,olha para ela a fazer o teste: “Trabalho-a até ela sorrir para mim. Se a peça não sorrir não está bem feita e não a vendo.”