O tal regional que não se avista mas que condiciona a nossa marcha continua a atrasar e o Miradouro vai parando também em praticamente todas as estações à espera de via livre. Uma oportunidade para os passageiros apreciarem azulejos e sentirem que viajam também no tempo, pois por aqui ainda não passou a fúria dos criminosos da modernidade que destroem um património ferroviário ímpar.
Marouf Ghegediban e Brigitte Fleury vieram de França e são dos poucos estrangeiros a bordo. Vão ficar no Pinhão e regressam à tarde no mesmo comboio para o Porto, onde estão alojados. Apesar de reservados e de se manterem à margem da relativa confusão que grassa na carruagem, dizem que estão a gostar. “O comboio tem muito espaço e é muito confortável. E é festivo... Vive-se aqui um bom ambiente”, diz Brigitte, agora surpreendida quando sabe que as carruagens em que viaja são suíças, logo, algo francófonas. “É uma viagem dentro da viagem”, remata.
Quando a locomotiva 1413 apita ao chegar à Régua já passa do meio-dia e o comboio já soma 40 minutos de atraso. A coisa continua complicada. O regional tarda em chegar ao Tua, mas agora é preciso esperar também por outro comboio em sentido contrário. Nos próximos 45 minutos o Miradouro fica parado na Régua e os seus passageiros — que não têm pressa — agradecem: vão comprar bolinhos, beber um copo, desentorpecer as pernas, ver o rio, passear na marginal.
Depois o comboio retoma a marcha e ruma ao Pinhão e ao Tua, sempre num permanente namoro com o rio, as águas ao nível da via férrea, os vinhedos à volta, as quintas bem cuidadas e antigas ruínas agora transformadas em alojamentos para turistas.
Quando o Miradouro chega à emblemática estação do Tua, ninguém se queixa do atraso. Mas ninguém disfarça que está com fome. Os três restaurantes da terra — com destaque para o famoso Calça Curta — e uma velha taberna agora com um nome pretensioso e um menu de tapas, agradecem este recrudescer do interesse pelo Douro.
Comboio Miradouro
Porto – Tua – Porto (286 quilómetros ida e volta)
Partida: 9h25; chegada: 20h30
Preço: 23€
Datas: todos os dias até 30 de Setembro
Comboio Histórico do Douro
Uma viagem no tempo no comboio a vapor do Douro
Os primeiros curiosos começam a rondar a composição logo depois de almoço. O comboio só parte às 15h22, mas há quatro horas que os dois maquinistas estão de volta da locomotiva num trabalho invisível para os passageiros que em breve vão desfrutar da viagem no comboio a vapor do Douro.
A 0186, como se designa esta locomotiva, tem de ser acesa lentamente para não provocar fissuras na caldeira. A preparação de uma máquina a vapor exige um trabalho metódico com especial cuidado para a lubrificação das bielas, dos rodados, das alavancas. Quando, à medida que for aquecendo, a pressão da caldeira chegar aos oito quilos, está pronta para manobrar e ser atrelada às carruagens de madeira que formam o comboio histórico.
A sua chegada à plataforma de partida provoca uma onda de excitação entre os passageiros. E não se diga que são só as crianças que se entusiasmam com a aproximação do monstro de ferro e aço. Toda a gente procura o melhor ângulo para fotografar a locomotiva e há quem não descure os pormenores das chapas metálicas, os dourados que brilham com o reflexo do sol, as lanternas, os intrincados mecanismos pintados de vermelho e preto vindos de um tempo passado. A chegada do Grupo de Cantares Socalcos do Corgo, que atravessa a plataforma a distribuir música e sorrisos, dá um ar ainda mais animado à estação da Régua. O comboio está pronto para partir.