Vouguinha
O comboio dos afectos
Não podia ser maior o contraste entre a imponente estação de Aveiro, onde está estacionado o Vouguinha, e a geografia por onde este vai circular. É só o tempo de ele percorrer uns 500 metros e entramos noutro mundo: um caminho-de-ferro de via estreita que, logo à saída da estação, faz uma curva apertada e circula junto a um muro, para logo irromper por uma paisagem de povoamento disperso e desordenado. O Vouguinha até parece que atravessa os quintais das casas (muitas delas do tipo maison) à beira da linha. Cruza estradas e caminhos, irrompe por eucaliptais, quintas, milheirais, hortas, florestas, vinhas, matos e silvas.
E com poucas rectas. A composição vai ziguezagueando pelo terreno, em curvas e contracurvas apertadas, para gáudio dos passageiros, que assim conseguem fotografar toda a composição a partir de qualquer janela ou dos varandins onde muitos preferem viajar.
Mas o que mais caracteriza este comboio é o ambiente de festa que proporciona, tanto a quem nele viaja como aos que o vêem passar. As pessoas saem de casa para acenar ao Vouguinha, as crianças correm até à linha para dizer adeus. Os idosos à porta das casas encontram neste acenar ao comboio uma pausa na solidão dos dias, uma ruptura com a monotonia do quotidiano, um momento de proximidade com os viajantes, que também eles não poupam nos acenos e nos sorrisos, numa festa permanente à passagem do comboio. E até os próprios automobilistas que estão parados nas muitas passagens de nível desta linha não mostram sinais de aborrecimento e também respondem aos acenos destes excursionistas sobre carris.
O que tem esta composição de tão especial? Por comparação com as velhas e grafitadas automotoras da linha do Vouga, este comboio é um espectáculo para os sentidos e impõe-se na paisagem, fazendo com que os próprios carros abrandem para o acompanhar ao lado sempre que via férrea e a estrada são vizinhas.
Uma locomotiva fabricada no País Basco em 1964 reboca três carruagens de três nacionalidades que remontam a um tempo em que não havia União Europeia: uma belga, uma portuguesa e uma alemã. Construídas, respectivamente, em 1908, 1923 e 1925. Todas recuperadas nas oficinas da EMEF (empresa da CP) nas oficinas de Contumil (Porto), num trabalho de restauração minucioso.
É isso que destaca Casimiro Madaíl, de Ílhavo, que tem passado a viagem num varandim, de máquina fotográfica em riste. “Este material está muito bem recuperado. Gosto do contraste entre viajar num Alfa e num comboio destes, que nos leva a tempos inacessíveis”, conta. E explica o entusiasmo pelas fotografias: “Não sou um aficionado dos comboios, mas isto tem para mim um interesse fotográfico. O próximo passo é ir fotografar os comboios do Douro.”
José e Aurélia Meireles vieram do Porto. Ele engenheiro químico, ela analista, estão ambos reformados. “Soubemos disto pelo Jornal de Notícias e comprámos um bilhete integrado. Tem sido uma viagem muito agradável e acho que está a correr de forma impecável. Só acho que falta um pequeno apoio de bar”, diz José Aurélio. Quanto ao resto, não se queixa do desconforto das carruagens: “O comboio é um meio de transporte muito sedutor. Achamos que para se recriar o tempo destes veículos tem de se dispensar o ar condicionado e apreciar a experiência da dureza dos bancos de madeira.”