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Há muito Portugal para descobrir de comboio

Por Carlos Cipriano

Vouguinha, Miradouro, Comboio Histórico, The Presidential. Até ao fim de Outubro, ainda rolam (ou vão rolar) nos carris composições especiais que piscam o olho aos turistas. Venha daí, conhecer Portugal à janela do comboio.

Vouguinha

O comboio dos afectos 

Não podia ser maior o contraste entre a imponente estação de Aveiro, onde está estacionado o Vouguinha, e a geografia por onde este vai circular. É só o tempo de ele percorrer uns 500 metros e entramos noutro mundo: um caminho-de-ferro de via estreita que, logo à saída da estação, faz uma curva apertada e circula junto a um muro, para logo irromper por uma paisagem de povoamento disperso e desordenado. O Vouguinha até parece que atravessa os quintais das casas (muitas delas do tipo maison) à beira da linha. Cruza estradas e caminhos, irrompe por eucaliptais, quintas, milheirais, hortas, florestas, vinhas, matos e silvas.

E com poucas rectas. A composição vai ziguezagueando pelo terreno, em curvas e contracurvas apertadas, para gáudio dos passageiros, que assim conseguem fotografar toda a composição a partir de qualquer janela ou dos varandins onde muitos preferem viajar.

Mas o que mais caracteriza este comboio é o ambiente de festa que proporciona, tanto a quem nele viaja como aos que o vêem passar. As pessoas saem de casa para acenar ao Vouguinha, as crianças correm até à linha para dizer adeus. Os idosos à porta das casas encontram neste acenar ao comboio uma pausa na solidão dos dias, uma ruptura com a monotonia do quotidiano, um momento de proximidade com os viajantes, que também eles não poupam nos acenos e nos sorrisos, numa festa permanente à passagem do comboio. E até os próprios automobilistas que estão parados nas muitas passagens de nível desta linha não mostram sinais de aborrecimento e também respondem aos acenos destes excursionistas sobre carris.

O que tem esta composição de tão especial? Por comparação com as velhas e grafitadas automotoras da linha do Vouga, este comboio é um espectáculo para os sentidos e impõe-se na paisagem, fazendo com que os próprios carros abrandem para o acompanhar ao lado sempre que via férrea e a estrada são vizinhas.

Uma locomotiva fabricada no País Basco em 1964 reboca três carruagens de três nacionalidades que remontam a um tempo em que não havia União Europeia: uma belga, uma portuguesa e uma alemã. Construídas, respectivamente, em 1908, 1923 e 1925. Todas recuperadas nas oficinas da EMEF (empresa da CP) nas oficinas de Contumil (Porto), num trabalho de restauração minucioso.

É isso que destaca Casimiro Madaíl, de Ílhavo, que tem passado a viagem num varandim, de máquina fotográfica em riste. “Este material está muito bem recuperado. Gosto do contraste entre viajar num Alfa e num comboio destes, que nos leva a tempos inacessíveis”, conta. E explica o entusiasmo pelas fotografias: “Não sou um aficionado dos comboios, mas isto tem para mim um interesse fotográfico. O próximo passo é ir fotografar os comboios do Douro.”

José e Aurélia Meireles vieram do Porto. Ele engenheiro químico, ela analista, estão ambos reformados. “Soubemos disto pelo Jornal de Notícias e comprámos um bilhete integrado. Tem sido uma viagem muito agradável e acho que está a correr de forma impecável. Só acho que falta um pequeno apoio de bar”, diz José Aurélio. Quanto ao resto, não se queixa do desconforto das carruagens: “O comboio é um meio de transporte muito sedutor. Achamos que para se recriar o tempo destes veículos tem de se dispensar o ar condicionado e apreciar a experiência da dureza dos bancos de madeira.”

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