Fugas - Viagens

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Há muito Portugal para descobrir de comboio

E a partida é feita com o clássico apito que ecoa pelo vale. A 0186 e as cinco carruagens de madeira saltitam ao passar pelas agulhas da estação, atravessam a ponte metálica sobre o rio Corgo, entram num túnel que provocas gritos de entusiasmo (ou de nervosismo) nalguns passageiros e alcança a barragem de Bagaúste, onde os barcos do Douro sobem e descem pelas eclusas para prosseguir viagem.

Poucos dos 200 passageiros permanecem sentados nos bancos (a capacidade deste comboio é de 250). As janelas abertas e os varandins nas extremidades das carruagens são os locais preferidos para viajar e desfrutar de uma viagem que está ao nível das melhores paisagens ferroviárias do mundo.

Linha férrea, rio, socalcos, vinhedos, quintas. É merecido o título de Património Mundial da Humanidade atribuído ao Vale do Douro. Que o digam os estrangeiros e portugueses, deslumbrados com a paisagem.

A estação de Covelinhas aparece ao virar de uma curva. É uma estação singela mas bonita, com a típica arquitectura das estações do Douro: o edifício de passageiros com a casa do chefe de estação no primeiro andar, os azulejos, a cobertura metálica sobre a gare e o cais de madeira onde se guardavam as mercadorias. Um dia, quando a linha do Douro for modernizada, a Refer (agora designada Infraestruturas de Portugal) deverá pensar muito bem como conciliar a preservação do património histórico ferroviário com as necessidades de uma linha electrificada.

Entre os barcos de cruzeiro do Douro e o comboio histórico homónimo poderia haver alguma rivalidade, mas tudo indica que a sintonia é total. Quando se avistam trocam silvos de um lado, apitos do outro e uma multidão de passageiros troca vigorosos acenos entre o rio e a linha de caminho-de-ferro. Na verdade, por estas paragens não há mais ninguém para cumprimentar. Não há estradas, não há aldeias. Só a linha do comboio, os túneis e o rio. Mas também — helas! — uma realidade que emerge: antigas ruínas que são agora resorts de luxo à beira-rio, feitos de casas de xisto e onde preponderam fantásticas piscinas só avistadas desde o comboio. 

A chegada ao casario branco do Pinhão é um “acontecimento” nesta viagem pelo tempo. A vila é atravessada quase em apoteose com a 0186 a silvar até se deter em frente aos magníficos azulejos da estação, bem cuidada, que agora acolhe uma wine house. “Tapas, Porto e [pastel de] nata” anuncia um placard na esplanada. Eis um bom resumo do que é hoje o turismo no Douro.

Alguns passageiros provam e compram vinhos. Outros dirigem-se para a frente do comboio, onde assistem curiosos à tomada de água pela locomotiva. A parafernália de telemóveis, tablets, máquinas fotográficas e de filmar regista o momento.

João Santa, um dos maquinistas de serviço e o inspector de tracção Faia afadigam-se de novo em torno da máquina, lubrificando-a e verificando os mecanismos. A CP tem aqui uns bons relações públicas — são pacientes, simpáticos e conseguem responder às perguntas dos indiscretos passageiros sobre o funcionamento da locomotiva.

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