António Agrellos, 68 anos, está longe de ser um enólogo que faz parte do estrelato nacional. Reservado, algo tímido, a fama é para ele uma consequência, nunca uma missão. A ele deve-se a recuperação do estatuto dos Porto Vintage do Noval e a criação dos DOC Douro da Noval e da Quinta da Romaneira que merecem por direito próprio estar na primeira linha dos grandes tintos nacionais. Polémico em relação ao Douro, aberto na discussão sobre castas, Agrellos diz-se cada vez mais um homem da vinha. Na adega, sublinha, a enologia é uma série de processos “mecânicos”. É na prova de uvas no terreno que se tomam as grandes decisões.
Começou a estudar arquitectura e acabou em Bordéus a estudar enologia. Ainda faz projectos no estirador quando chega à vindima e pensa nos Porto e nos DOC Douro que estão para nascer?
Foi a Revolução de 25 de Abril que me fez mudar o Norte. Eu nasci no meio do vinho e os amigos mais vinhos mais próximos eram o João Nicolau de Almeida e o irmão. Mas, o que me fez mudar foi a bagunça na Escola de Belas Artes. Com o 25 de Abril só se falava de política e dos poemas do Mao Tse Tung. Estive lá até ao quinto ano e não estava aprender nada. Mas gostei muito da aprendizagem da arquitectura. A arquitectura dá-nos uma visão envolvente das coisas. Uma pessoa olha para uma garrafa vê tudo o que está à volta e tem influência na garrafa. Isso nos vinhos é muito útil.
Depois de 2003, quando começaram a fazer os primeiros DOC Douro, a sua vida ficou um pouco mais difícil. Fazer só Porto é mais fácil do que fazer Porto e DOC Douro ao mesmo tempo?
A primeira experiência foi em 2003 mas não foi comercializada. Quando a Axa comprou a quinta [a Axa Millésimes, da multinacional de seguros francesa, comprou a Noval à família Van Zeller em 1993] convidaram-me para ficar como director técnico. E então passei a ser responsável pelos vinhos também. Mas nessa altura o Noval tinha 60 ou 70 hectares de vinha. Não estavam em bom estado. E os vinhos representavam esse estado. Qual era a prioridade? Eram os Vintage, o Noval é uma casa de vinho do Porto.
Ou seja, primeiro trataram do vinho do Porto antes de se lançarem nos DOC Douro?
Claro. Não podíamos arriscar a fazer vinhos de mesa e depois o Vintage não voltar a subir.
Mas, regressando, até 2003, a sua vida era mais fácil? Só tinha de pensar num vinho. É um quebra-cabeças fazer dois vinhos a partir da mesma vinha?
Claro que pensar nas duas coisas dá-me mais responsabilidade. Quando a Axa comprou a Noval remodelou tudo. As pessoas da Axa Milesimes eram pessoas do vinho, sabiam do potencial que a Noval tinha – os vinhos que vinham de trás, dos anos 60 e 70, eram vinhos do outro mundo. E compreendiam as suas necessidades. E então renovou-se a vinha, renovou-se a adega. Com uma adega capaz de fazer bons vinhos, só foi preciso esperar pela vinha. Nós deixámos ficar algumas vinhas velhas, poucas, mas as vinhas velhas da Noval estavam muito mal, em termos de castas, etc. E num ano ou dois percebemos que tínhamos de as renovar.