Fugas - restaurantes e bares

Miguel Madeira

Um T13 para a cultura

Por Kathleen Gomes ,

Uma velha fábrica de armamento converteu-se, em Junho de 2007, num espaço cultural. É um T13 cultural numa zona de Lisboa eternamente adiada, fora de mão, sem hábitos culturais, que já tem hora de ponta, "hype" (subitamente, é o sítio onde toda a gente quer fazer alguma coisa), todo o tipo de públicos e até fiéis a dizer que isto já não é como era no princípio.

É sexta-feira à noite (qualquer sexta-feira à noite, desde que não chova) e o parque de estacionamento está lotado. Fila para o café, fila para entrar, fila para sair, feira de antiguidades à porta, lançamento de livro, quarteto de jazz na sala ao lado, Annie Hall de Woody Allen na sala do fundo, livros onde quer que possa haver livros, casa grande mas casa cheia.

Esta noite é assim, amanhã pode ser astronautismo mental (a sério), uma comunidade de leitores, filmes experimentais dos anos 20 e 30, uma sala forrada a fotografias das férias, e o fim do mundo de quarta a sábado (já lá vamos). Parece não haver nada que não possa acontecer aqui. Como é que se define um lugar assim?

"Viu ontem? Muitas noites são como ontem", diz Nuno Nabais, 50 anos, no dia seguinte. Barba branca como uma máscara socrática, este professor universitário de Filosofia é o ideólogo (e idealista) da Fábrica de Braço de Prata. Há pouco mais de quatro meses seria fácil julgá-lo louco. Ele próprio parece um pouco espantado pelo que está acontecer. "Isto está a ter um sucesso que ultrapassa as minhas imagens mais felizes."

É sexta-feira à noite e até o Bairro Alto parece ter feito um desvio para passar por aqui (e toda a gente sabe que o Bairro Alto não costuma fazer desvios). É a prova de como a Fábrica de Braço de Prata mexeu nas rotinas da cidade. E, não, não tinha tudo para dar certo: era muito espaço numa zona incógnita de Lisboa (Poço do Bispo), com mais voluntarismo que bom senso (ou dinheiro) por detrás. A Fábrica de Braço de Prata abriu, a 14 de Junho, antes de estar pronta: ainda havia salas desocupadas e em ruína. (Mas fez-se a festa e foi concorrida: "Tivemos aqui mais ou menos 800 pessoas", resume Nuno Nabais.)


Depois da pólvora, livros

Antes de ser isto, a Fábrica de Braço de Prata foi mesmo fábrica de munições e armamento (a menina-dos-olhos era a pistola-metralhadora FBP de 9 mm), cujo pico de produção, diz a Wikipédia, coincidiu com a guerra colonial. Hoje há livros no lugar da pólvora: a justiça poética está à vista para quem a quiser ver.

Com o desmantelamento da fábrica, a propriedade foi vendida à empresa de construção civil Obriverca, que, juntamente com a Somague, tinha planos ambiciosos para esta zona: erguer aqui a urbanização Jardins de Braço de Prata, projectada por Renzo Piano, uma obra embargada em 2002.

Foi o irmão de Nuno Nabais, engenheiro civil e representante da Somague na sociedade dos Jardins de Braço de Prata ("Foi ele que resolveu que devia ser o Renzo Piano a fazer o projecto", diz Nuno Nabais), que lhe propôs que se viesse instalar aqui. Dono da livraria de filosofia e teatro Eterno Retorno, Nuno Nabais fechou as portas em 2005, "por solidariedade", quando a vizinha Ler Devagar, de José Pinho, foi forçada a sair do edifício que ocupava na Rua de São Boaventura, no Bairro Alto. O plano era partilharem casa, o que veio a acontecer, na Galeria Zé dos Bois e na Rua da Rosa, mas sempre "com o sacrifício da Eterno Retorno", diz Nabais.

Apesar da fusão, a livraria respondia apenas pelo nome de Ler Devagar. "Mas metade dos livros eram meus." E Nuno Nabais, que resistira até aí à proposta do irmão - "Parecia-me impossível uma livraria vir para aqui" - resolveu aceitá-la. "Vim para aqui em amuo com a Ler Devagar", admite. Foi coisa de pouca dura. "Mostrei isto ao José Pinho, ele gostou imenso, reconciliámo-nos, retomámos a joint-venture." Quatro ou cinco dias depois, iniciavam as obras de reabilitação. Nabais mobilizou 50 alunos da faculdade. Ao sétimo dia, abriram. "Montámos isto ao ritmo do Génesis."

Nome
Fábrica do Braço de Prata
Local
Lisboa, Marvila, Rua da Fábrica de Material de Guerra, 1
Telefone
925864579
Horarios
Quarta-feira e Quinta-feira das 18:00 às 02:00
Sexta e Sábado das 18:00 às 04:00
Domingo das 15:00 às 00:00
Website
http://www.bracodeprata.com
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