Fugas - restaurantes e bares

  • André Magalhães na taberna
    André Magalhães na taberna Miguel Manso
  • Picadinho de carapau
    Picadinho de carapau DR
  • André Magalhães
    André Magalhães Pedro Maia

Vamos à taberna comer umas iscas com elas?

Por Alexandra Prado Coelho ,

Iscas, sandes de sangacho, meia desfeita de bacalhau... Na novíssima Taberna da Rua das Flores, ao Chiado, come-se como nas antigas tabernas de Lisboa. André Magalhães não se quer "armar em salvador da pátria", quer apenas recuperar pratos "que são da nossa tradição alimentar e que estavam esquecidos".

Quando veste a pele de taberneiro, André Magalhães vai buscar a boina e o avental. Mas a um verdadeiro taberneiro lisboeta não basta parecê-lo - é preciso sê-lo. E André leva a tarefa a sério. 

Quem entrar na Taberna da Rua das Flores, ao Chiado, vai encontrar iscas com elas (das verdadeiras, o molho feito com baço raspado), sandes de sangacho (a parte mais escura do atum), meia-desfeita de bacalhau, moreia frita e outros petiscos que, ao longo das últimas décadas, foram silenciosamente desaparecendo das ementas portuguesas. 

"Antigamente cheirava a peixe grelhado em Lisboa porque havia grelhadores na rua. Agora já não há. O excesso de regulamentação no sector da restauração fez com que tivéssemos perdido o nosso apelo", diz André, que se lançou nesta aventura de ser taberneiro com dois sócios, Adriano Jordão e Bárbara Matos. 

"Por causa das regras e da evolução social em Portugal, as pessoas aburguesaram-se e afastaram-se desse tipo de comida, que achavam menor. O aburguesamento significava que podíamos comer pizzas take-away. E a maneira de voltarmos [às origens] é regressar ao básico. A maior parte dos putos que vêm cá nunca comeram uma isca na vida, e ficam muito admirados. "Ah, moreia frita, isso come-se?"".

André não se quer "armar em salvador da pátria", quer simplesmente recuperar pratos "que são da nossa tradição alimentar e que estavam esquecidos". Mas não quer cair na armadilha do "conceito". "As pessoas encurralam-se num conceito e estão lixadas. Aqui quero fazer o que me dá na gana. Às vezes apetece-me fazer coisas com influências estrangeiras e brinco com isso. Se uso os ovos milenares digo que é à taberneiro chinês, se faço um dashi é à taberneiro japonês, se uso guacamole é à taberneiro mexicano. Vou abrindo a porta a outras coisas." 

Mas no centro está a comida de taberna lisboeta - e uma relação o mais próxima possível com os produtores. André olha para a sócia, Bárbara, que está a arrumar produtos em prateleiras na primeira sala da Taberna (que funciona também como mercearia). "As conservas que a Bárbara está a arrumar vêm directamente de quem as faz. Não passamos por uma empresa de distribuição alimentar que fica com metade do lucro. Os vinhos, os azeites, são comprados directamente aos produtores. E tentamos oferecer um bom produto final, a um preço baixo porque eliminámos as mais-valias dos intermediários."

André já tinha tentado fazer o mesmo nos sete anos em que esteve à frente do restaurante do Clube dos Jornalistas (onde trabalhou também com Adriano Jordão). Foi uma experiência que lhe ensinou muito. "O que eu fazia no Clube era cozinha de autor, mas cheguei à conclusão de que esta é uma actividade comercial que não é viável em Portugal. Quem faz cozinha de autor noutros países tem sempre por trás uma máquina financeira que os liberta, e uma gestão que lhes permite que se dediquem só à cozinha. Quem tentou fazer isso em Portugal ficou com a corda ao pescoço." 

Outra coisa que André percebeu foi que há "excesso de oferta" nos restaurantes em Portugal. "Não se pode trabalhar com produtos frescos e ter 30 itens na carta. Para isso, os frigoríficos ficam a abarrotar e os produtos ficam ali cinco ou seis dias." Se os restaurantes reduzirem as cartas e perderem clientes, estes "não eram bons clientes porque são pessoas que estavam a comer peixe mole, com cinco dias de frigorífico, e nem se apercebiam disso". É preciso, defende, "ter uma oferta mais racional". 

No Clube dos Jornalistas quase não dormia para ir buscar os produtos directamente aos produtores, mas depois percebia que "os clientes estavam-se a borrifar para o facto de as batatas virem de Almeirim e não da Turquia". Por isso, na Taberna, faz o mesmo exercício mas numa pequena escala. 

Na ementa encontramos sempre produtos da estação. "Fazemos, por exemplo, picadinho de carapau, que num restaurante de cozinha de autor seria um tartare", sorri André. "Estamos a usar um peixe de época, sustentável, barato, que existe normalmente em excesso, que muitas vezes é deitado fora porque a oferta é maior do que a procura. Depois, noutras alturas do ano, serão outros peixes que estejam disponíveis a bons preços."

Por trás destes pratos há um conhecimento da história da alimentação em Lisboa que André foi recolhendo em conversas pelas tascas da cidade - as que sobrevivem e algumas que já desapareceram. São histórias dos galegos e das suas carvoarias num tempo em que Lisboa não tinha gás e as mulheres precisavam de carvão para cozinhar. Os galegos vendiam o carvão e mais um copito ao marido que o vinha buscar. E depois as sandes de sangacho com cebola ou de torresmo que os estivadores compravam nos quiosques à beira-rio ou a fava-rica que as mulheres vendiam pelas ruas. 

É toda a história das comidas dos pobres (sobre as quais existe muito menos escrito do que sobre as comidas dos ricos) que aqui vai sendo recuperada - por exemplo, quando André e Adriano vão à Rua do Arsenal comprar badanas de bacalhau, para as demolhar, e fazerem com elas a meia-desfeita como nas tabernas de antigamente.

Nome
Taberna da Rua das Flores
Local
Lisboa, Encarnação, Rua das Flores, 103
Telefone
213479418
Website
http://www.atabernadaruadasflores.pt
Cozinha
Petiscos
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