Um primo jesuíta, uma mercearia em Campo de Ourique que recebia os melhores produtos, uma juventude dourada em Évora - disto (e de muito mais) se fez a formação de Manuel Martins. O que comemos hoje na Charcutaria Lisboa, na Rua do Alecrim, é o resultado dessa experiência de vida. Por isso, é um privilégio provar as empadas de galinha ou as migas de batata e ovo ou a sopa de cação enquanto ouvimos Manuel Martins contar a sua história.
E ele começa precisamente pelo primo jesuíta. "Ele tinha aquele feito dos jesuítas, faz-se e depois diz-se que se vai fazer, a teoria do facto consumado. E a disciplina. Foi ele quem me disciplinou nos estudos. E quem convenceu o meu pai a mandar-me para o Instituto de Estudos Superiores de Évora, que era dos jesuítas", conta.
Évora foi a descoberta de um novo mundo. "O meu pai era uma pessoa humilde mas dava-me todos os meses uma quantidade de dinheiro suficiente para eu ter uma vida faustosa em Évora. Tive a oportunidade de entrar nas melhores casas e isso deu-me um contacto muito directo com a comida alentejana, na casa das pessoas e fora, no petisco." Até porque nessa altura "havia petisco em Évora como não há hoje".
Diz que foi aí que lhe nasceu o gosto pela comida. Mas provavelmente foi uns bons anos antes, quando andava pela mercearia do pai e ia provando os queijos, os enchidos e tudo o resto que ia chegando. "Fui das primeiras pessoas em Portugal a comer um iorgurte, pelo menos entre aquelas que nunca tinham ido ao estrangeiro." Recorda-se bem desse momento - e não é das melhores recordações. "Ainda hoje tenho memória daquele sabor. Abominei. Já viu o que é um iogurte em 1953, 54, à temperatura ambiente, ali a um canto da mercearia? Era o iorgurte Ocidental que vinha numas tacinhas tipo barricas dos ovos moles de Aveiro."
Enquanto conversamos, vão chegando à mesa torradas e as empadas de galinha, famosas na casa. Manuel continua: "Em Évora encontro esse ambiente de petiscos do outro mundo. Tive sorte, porque vinha disciplinado pelo meu primo jesuíta, senão perdia-me. Mas a disciplina era de tal ordem que eu petiscava e estudava."
Foi em Évora que conheceu a futura mulher, "de uma família tradicional alentejana, onde se cultivava o prazer da comida, sem faustos". Juntos eram "a combinação perfeita". Ao princípio Manuel não cozinhava, mas a pouco e pouco foi aprendendo. "Aí, sim, comecei a ver as combinações e a simplicidade das coisas, e isso levou-me a pensar em ter um restaurante." Faziam muitas experiências. "Íamos experimentando até atingirmos aquilo que é hoje considerado a perfeição, que são estas empadas. Ou os pezinhos de coentrada, que dizem que são os melhores de Portugal."
Nessa altura, Manuel trabalhava ainda como bancário. Entretanto, o pai introduziu alterações na mercearia, que, depois de umas obras de melhoramento (que não agradaram particularmente ao filho), começou a ser chamada pelos clientes de "charcutaria". Foi nessa casa que Manuel pegou, depois da morte do pai. E, como acontece às vezes na sua vida, foi uma decisão repentina.
- Nome
- Charcutaria Lisboa
- Local
- Lisboa, São Paulo, Rua do Alecrim, 47
- Telefone
- 213460672
- Website
- http://www.restaurantecharcutaria.com
- Preço
- 30€
- Cozinha
- Alentejana