Diz-se que a sorte protege os audazes e talvez seja isso que explique os dois mais recentes golpes de sorte do chef Avillez: primeiro, o espaço do bar do Teatro de São Carlos, em Lisboa, do outro lado da rua do seu restaurante Belcanto, ficou livre. Era o lugar ideal para o projecto, com que Avillez sonhava, de um restaurante que recuperasse algum espírito dos antigos cafés lisboetas, locais de tertúlias, de encontro entre artistas e intelectuais, de noitadas de discussões sobre política, literatura, filosofia, por entre álcool, café, e... bifes.
O segundo golpe de sorte aconteceu quando Avillez foi registar o nome e soube que o mais simples de todos, mas perfeito - Café Lisboa - estava disponível. “Descobri que tinha existido um, no século XIX, perto do Parque Mayer, mas nunca chegou a ser registado”. E no início da semana abriu o Café Lisboa, a quarta casa do chef - depois do Cantinho, do Belcanto e da Pizzaria Lisboa -, a abrir na zona do Chiado em apenas dois anos (e daí termos falado em audácia no início deste texto). O universo Avillez está, portanto, a alargar-se no Chiado - onde até a limpeza e manutenção do lago do Largo de São Carlos será responsabilidade do grupo.
O primeiro cliente do Café Lisboa foi, por mero acaso, o actor John Malkovich, que, conta Avillez, estava a filmar por ali um novo “Casanova”, produzido por Paulo Branco e, vendo o movimento, perguntou se já se podia comer alguma coisa. Isto passou-se na semana anterior à da abertura do Café Lisboa, mas Malkovich não ficou por servir - e, segundo o chef, encantou-se particularmente com o arroz de grelos.
Três meses de obras e a sala do São Carlos recuperou o brilho dos dourados, ganhou um balcão novo, uma peça de Joana Vasconcelos, e um elegante mobiliário desenhado especialmente para um espaço com o qual Avillez pretende homenagear Lisboa. Daí que a ementa seja muito inspirada na cozinha da capital - tanto quanto é possível identificar um prato como sendo lisboeta. O maior emblema será o Pastel Lisboa (dois euros), um pastel de massa tenra, sempre frito na hora (há também em prato, uma dose com dois e arroz de grelos, por 10 euros).
“É um pastel como eu acho que já não se fazem hoje em dia. Em minha casa, quando eu era pequeno, chamavam-lhe Pastel Lisboa”, explica Avillez. “Achava que o pastel de massa tenra era daqueles produtos que estava por pegar e desenvolver. O que fiz foi recuperar uma receita tradicional: a carne é estufada, picada com uma faca, não tem nada a ver com aquelas mousses que se vêem por aí. Levam um bocadinho de aguardente porque quando são fritos o álcool evapora mais rápido e a massa fica mais leve.”
Importante é saber que são sempre acabados de fritar, como aquele que um dos empregados de mesa acaba de pôr à nossa frente. “Foi feito há dois minutos”, garante o chef. “Há sempre uma pessoa a esticar a massa e a fazer o pastel e a fritar, porque congelado não fica a mesma coisa, e feito com antecedência perde logo, por causa da humidade do recheio”.
Dá muito mais trabalho, sem dúvida, mas com isto Avillez está a defender um princípio que acha importante: os salgados devem ser servidos quentes. “Há uma premissa que me transcende que é os nossos cafés servirem os salgados frios. Chegar às sete da manhã a um estabelecimento, fritar tudo o que há para fritar e guardá-los numa vitrina fria... No Brasil, que em parte importou de Portugal a tradição dos pastéis, servem-se quentes em todo o lado. E isso faz uma grande diferença”.
Também os pastéis de nata (a um euro) vão sempre ser servidos quentinhos. “É uma receita que já tinha começado a desenvolver quando estava no Tavares, mas que afinámos nos últimos meses”. Têm também uma caixa própria para serem levados para casa.
E, claro, temos que falar dos bifes. Avillez andou a investigar a história dos bifes tradicionais dos cafés de Lisboa e concluiu que os molhos eram sempre bastante pesados. “Antigamente, e hoje isso ainda acontece, a maior parte dos bifes tinha 80% de natas. Não tenho o fundamentalismo de tirar as natas a tudo, tenho aqui alguns com um toque de natas, mas que serve apenas para ligar. Fazemos um caldo com os ossos, com as aparas da carne, que é um molho de carne à séria, e depois ligamos com um pouco de natas, de mostarda ou de manteiga”. Isto porque, num sítio que serve bifes, o molho pode fazer “toda a diferença”.
Na carta há um Bife à Café Lisboa (19,50€), inspirado no famoso Bife à Marrare, outro com Cogumelos Portobello (21, 50€), um com Molho de Foie Gras e Trufas (23,50€), outro com Copita, Cebola e Queijo da Serra (22,50€). Mas há também rosbife, bife tártaro e hambúrguer. Outros pratos tradicionais que Avillez decidiu incluir na carta são o Bacalhau à Brás com as “azeitonas explosivas” que se tornaram a sua imagem de marca (14,50€), o Arroz de Pato com Couve Lombarda (16,50€) ou os Croquetes de Novilho com Arroz de Tomate (11€).
Há ainda saladas e pratos mais leves - que podem ser um Gaspacho de Cereja com Requeijão, Manjericão e Presunto (6 €), Cabeço de Xara com Molho de Mostarda e Pickles (7,50€) - a pensar sobretudo na esplanada. E uma carta de bar com consultoria de Dave Palethorpe, do bar Cinco Lounge, que inclui cocktails inspirados em produtos e expressões portuguesas, como o Costa do Castelo, o D. Antónia ou o Pomar.
“O bacalhau à Brás já se chamou à lisbonense, e existe também o bacalhau à Lisboa Antiga, mas de resto há poucas receitas que tenham uma ligação directa à história da cidade, o que em termos de posicionamento e identidade de Lisboa é uma pena”, lamenta Avillez. “A história da comida de Lisboa está ainda muito por fazer. Não tenho tempo nem capacidade para fazer um estudo exaustivo, mas quis fazer o Café Lisboa com produtos de Lisboa porque acho que a cidade tem capacidade e obrigação de os divulgar”.
Os pastéis estão prontos a fritar, os bifes prontos a sair, e as portas do Café Lisboa estão abertas à espera de turistas que queiram descobrir a gastronomia da cidade e de portugueses com saudades dos velhos cafés e vontade de, quem sabe, lançar novas tertúlias sob o tecto do teatro de ópera nacional.
- Nome
- Café Lisboa
- Local
- Lisboa, Mártires, Largo de São Carlos nº 23, Lisboa
- Telefone
- 211914498
- Horarios
- Todos os dias das 12:00 às 01:00
- Website
- http://www.joseavillez.pt
- Preço
- 25€
- Cozinha
- Autor