O fado é, por assim dizer, uma espécie de apêndice que deu notoriedade à casa, mas o mais importante é, como facilmente se constata à primeira vista, a dona Piedade. Daí que o nome oficial seja praticamente ignorado e o local quase sempre referido como a Adega da Piedade. É ela quem comanda o negócio, impõe o ritmo e, mais importante de tudo, toma conta da cozinha de onde saem deliciosos e diversificados petiscos que costumam atrair a clientela a partir de meados da tarde.
O cheiro a cominhos do tacho de bucho que vem da cozinha ainda a borbulhar não deixa margem para dúvidas. Mas há também rojões, fêveras, bolinhos, panados, rissóis e outras iguarias que diariamente se repetem segundo a imaginação e disponibilidade de produtos da cozinheira. E como além dos fogões é também competente e acolhedora anfitriã, o melhor é mesmo seguir as suas sugestões. "Ó filhinho, isso hoje não há, mas as fêveras estão muito boas." Para bom entendedor...
Imperdíveis são mesmo o pastelão de sardinhas (ou de filete) e as iscas de bacalhau, daquelas saborosas e escorridas, com polme à séria como já é raro encontrar-se.
Para além dos comes e bebes, todas as terças à tarde há uma atracção extra: o fado vadio que ali se pratica há mais de 30 anos e se tornou já num costume enraizado. Daí o quadro, colorido e de estilo popular, a retratar Amália na sua juventude que domina a decoração, acolitado por xailes e outros adereços alusivos ao mundo fadista.
Mesas e banquinhos de madeira pintados de preto, tal como o soalho, a compor o ambiente de estilo asseado e acolhedor e com vista para a mansidão do Douro que ali em frente se apressa a chegar à foz.
A tudo acresce ainda a localização privilegiada. Uma espécie de balcão sobre o rio, cujo espaço exterior funciona também como esplanada e de onde se contempla o vai-e-vem incansável do Flor do Gás nas suas travessias até à Afurada.
[José Augusto Moreira]
O fado da Dona Piedade
"Imagino que aqui toda a gente respire fado". As palavras saem da boca de Jorge Azevedo, 24 anos. Estamos à beira-rio já a olhar o mar. Há gente na rua onde raramente passam carros. Nesta terça-feira, já se escutam guitarras, uma voz desalinhada, que saem da lotada Adega Rio Douro, casa pequena e de grande fama.
"Está sempre muita gente porque há fado vadio", esclarece Manuel Barbosa, ele próprio um habitué nestas lides - de assistir e de cantar (ou não tivesse vencido a Grande Noite do Fado Porto em 1995). Porque é esse o encanto deste fado, vadio ou amador, qualquer um pode cantar. "Hoje até está fraquinho", avalia Alice Costa, filha da proprietária, numa das pausas para cigarro. E "normalmente, são sempre os mesmos a cantar", conta, "é assim o mundo do fado no Porto, os mesmos correm tudo". Por isso ouviremos tantos roteiros do fado vadio no Porto, estão na ponta da língua de todos os que vêm aqui (e onde podem) regularmente num "fado da procura".
António Vieira está de saída e o fado ainda vai a meio. Já deu de beber à voz, acabou agora mesmo "Do Poial da Tua Porta". "Tenho um bloco e antes de sair de casa escolho os fados", explica, "às vezes tenho de mudar porque outros os cantam antes". Vai de regresso a casa, em Fânzeres (Gondomar), como o faz há 30 anos, tantos quantos leva como cliente-cantador. Agora tem 67 anos e sempre que pode vai a outros sítios. Mas "há casas, mesmo de fado vadio, que exploram".
- Nome
- Adega Rio Douro
- Local
- Porto, Porto, R. do Ouro, 223
- Telefone
- 226170206
- Horarios
- Segunda a Sábado das 12:30 às 23:30
- Cozinha
- Portuguesa