Fugas - viagens

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Chefchaouen e os mil matizes de azul

- O azul protege do calor, reflecte a luz, capta a frescura e, ao mesmo tempo, afasta os mosquitos. Mas antes, no tempo em que os judeus viviam em Chefchaouen, as casas eram pintadas de verde.

Um tempo distante, propício a lendas, que se ouvem enquanto aquecemos a alma com mais uma infusão. A cidade terá nascido como resultado do amor entre um xeque e a sua mulher cristã, ambos expulsos de Vejer de la Frontera, durante cinco séculos ocupada pelos muçulmanos e hoje geminada com Chefchaouen.

O marido, vendo nos olhos da sua adorada uma melancolia nostálgica, uma tristeza tão grande que parecia perpassarlhe o coração, construiu um lugar à imagem e semelhança da cidade espanhola que se encontra próxima de Cádiz. Verdade ou não, Chefchaouen, fundada em 1471 por Moulay Ali Ben Rachid para suster o avanço das tropas espanholas e portuguesas, acolheu, após a tomada de Granada pelos Reis Católicos, em 1492, os muçulmanos e os judeus expulsos de Espanha e a influência na arquitectura é bem visível.

Religião
Sempre a subir, não resistimos a provar uma azeitona, logo seguida de uma tâmara, na loja de um velho conhecido. O tempo parece não ter passado por ele, da mesma forma que não metamorfoseou estas ruas labirínticas, onde o encanto reside em perder-se, flutuando naquele silêncio e gozando aquela indolência tão doce. Passamos agora um dos recantos mais sedutores de Chefchaouen e logo os nossos olhos avistam a Praça Uta el Hammam, com o kasbah a recortar as montanhas, que se assemelham a uma tela de fundo.

- Durante muitos anos, nenhum estrangeiro podia entrar na medina.

Em silêncio, no reflexo do dia que não tardava a despedir-se, sentimos o privilégio de desfrutar daquele lugar mágico, de pisar aquelas pedras, de nos sentarmos numa esplanada a beber mais um chá. O sol brinca agora sobre a praça, ora dourando os transeuntes, ora deixando-os envoltos na sombra.

Proclamada cidade santa, Chefchaouen permanecerá interdita aos cristãos mas não aos judeus até 1920. Apenas o beato francês Charles de Foucauld, em 1883, e o jornalista inglês Walter Harris, cinco anos depois, ambos disfarçados de rabinos, ousaram furar este bloqueio. O início da década de 20 do século passado marca a chegada dos espanhóis, expulsos por Abd el-Krim, entre 1924 e 1926, na sequência de uma rebelião das gentes do Rif, para regressarem logo depois e aqui continuarem até 1956, ano da independência.

- Muitos ficaram na cidade e o meu avô tinha com alguns deles uma boa relação. Não raras vezes encontravam-se para almoçar ou para tomar chá.

Hassan conserva ainda hoje uma casa no bairro andaluz, de dois pisos e com um bonito pátio interior, e de quando em quando traz à memória os tempos em que as portas da cidade fechavam às seis horas da tarde, bem como as brincadeiras com os amigos que antecediam o silêncio da noite.

- Nessa altura, viviam 58 famílias no interior das muralhas.

O muezzin chama para a oração mas são poucos os fiéis que acorrem à renovada Grande Mesquita, na Praça Uta el Hammam, a única com um minarete octogonal em todo o mundo islâmico. Chaouen, como é carinhosamente tratada, permanece um bastião da fé mas destaca-se mais pela sua tolerância.

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