Fugas - viagens

Chefchaouen e os mil matizes de azul

Por Sousa Ribeiro

Pelos caminhos tranquilos do norte de Marrocos, perscrutando mercados e conhecendo as suas gentes. Entre connosco em Chefchaouen, cidade azul e branca.

E, de repente, eles estão à nossa frente: os cornos. O carro desfaz a curva, segue paralelo ao rio por onde corre um fio de água e sobe agora, em constante ziguezague, como se fosse uma serpente, sulcando o asfalto por entre oliveiras. À distância, sob um céu azul, há casas que à primeira vista parecem brancas, como uma noiva aninhada nas montanhas. Mas à medida que a viatura se aproxima, subindo com dificuldade, percebese que não é tão imaculada, que o azul também a domina, um azul de mil matizes que contrasta com aquele verde que, nesta altura do ano, decora os chifres. Concluída a ascensão, uma porta à nossa direita, emoldurada em vestígios de pedra, ao lado do passeio bem cuidado, passa quase despercebida a quem chega vindo de Tetouan.

Estamos ainda na cidade nova e não tardaremos a contornar a sempre movimentada Praça Mohamed V, onde jovens casais trocam sorrisos tantas vezes em silêncio.

- Bem-vindo a Chefchaouen.

Ele sabia, há já alguns dias, da nossa chegada e esperava-nos com ansiedade, a mesma que nos acompanhara durante a viagem de mais de dez horas entre Lisboa e a cidade do noroeste de Marrocos. O reencontro, três anos após a última visita, é celebrado, daí a uns minutos, com um chá de menta, com hortelã acabada de colher na horta.

- Chefchaouen significa, na língua berbere, olhar os cornos, explica Hassan Ahaddout, que agora divide as atenções entre nós e dois franceses que erguem, também eles, os olhos para perscrutar os picos Meggou e Tisouka que se destacam acima das nossas cabeças.

Antes que o sol comece a declinar, lançando os últimos raios sobre aquele manto branco e azul, deixamos a Rua Sidi Srifi para trás, e caminhamos ao longo da Avenida Hassan II, com a restaurada Praça do Mercado à nossa esquerda, antes de subirmos as escadas que nos deixam na antecâmara da medina, de frente para a Bab al Ain, que nos proporciona a primeira visão inquietante de Chefchaouen.

Flanqueamos a porta e deixamonos levar pelos sentidos e pelos cheiros, não sem antes os nossos olhos resvalarem para a fonte onde um ancião, com a sua djellaba de lã, em tons castanhos, bebe água.

É sexta-feira, o ar está macio, o sol oferece diferentes tonalidades às casas que se esmagam umas contra as outras. É o dia apropriado para os nossos passos nos conduzirem por caminhos tranquilos, como se tivéssemos pedido asilo ao silêncio apenas cortado, de quando em quando, pelos gritos das crianças.

Uma miríade de azuis predomina.

O céu uniu-se à terra e, para celebrar, permitimos que o olhar vagueie por aquele misticismo que emana das paredes e das portas, tentando adivinhar como decorre a vida no interior das casas.

- Alguns azuis indicam que a rua não tem saída, observa Hassan, com uns olhos sábios.

Poucos conhecem Chefchaouen como Hassan e muitos em Chefchaouen conhecem Hassan.

No ar, um odor a pão, mas também a salsa, vendida por uma mulher berbere na rua que, sempre a subir, conduz à Praça Uta el Hammam.

Um gato de olhos verdes passeiase no muro de uma casa, com as escadas caiadas de um azul índigo, e uma menina esconde-se da câmara.

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