Cores
Agora a estrada sobe e uma nuvem de pó teima em perseguir-nos. Um camião, com dois jovens atrás, esforça-se por conseguir contornar a dificuldade que o traçado oferece.
Sobre a chapa de matrícula, pode ler-se bonnes routes. Oued Laou parece tão perto mas as sucessivas paragens tornam o palco do maior mercado da região longínquo. Aqui, é preciso dar tempo ao próprio tempo. À esquerda, ao fundo de um desfiladeiro, avista-se, com as suas casas pintadas de branco e azul e os seus telhados de zinco, a encantadora aldeia de Aakil. Há roupa a secar em cima das árvores e um agricultor solitário dá vida ao mosaico de terrenos cultivados.
Mais à frente, à direita, um aqueduto construído em cimento ajuda os berberes, com o apoio de um cabo de ferro, a ligar uma margem à outra do rio. Numa delas, há um alguidar da roupa em cima de um carrinho de mão e duas mulheres a lavar. Um homem com djellaba verde e um chapéu de palha na cabeça passa para o outro lado, seguido por três mulheres de tribos diferentes, cada uma com o seu mandil de cores garridas e distintas, com as suas toalhas sobre os ombros e também com chapéus de palha, por cima do hijab. O sol assemelha-se a uma gota de ouro candente sobre as águas e não corre um fio de vento. Respira-se um ar puro e quietude, uma beleza harmoniosa a que dão ainda maior expressão as mulheres berberes que chegam do mercado onde não tardaremos a pousar o nosso olhar, com a recordação bem presente daquele dia tão distante, há tantos anos.
Mais ainda do que Chefchaouen, Oued Laou passa pelos anos incólume, fiel às suas tradições, orgulhosa das suas gentes e costumes. Mulheres com chapéus de palha, decorados com pompons verdes e vermelhos, também elas de mandil e de fouta na cabeça, vendem louça em barro para cozinhar tajine e couscous, homens de gorro oferecem fruta e legumes a preços em conta.
Alguns negoceiam protegidos por toldos, outros por árvores seculares, outros ainda sentindo aquele sol que cintila por cima das suas cabeças com a suavidade da Primavera que ainda não chegou.
Laranjas e tangerinas confundemse com os trajes garridos das mulheres e contrastam com as tonalidades mais discretas das djellabas dos homens. O souk de Oued Laou não é para ser abarcado com um olhar global mas lentamente, como quem saboreia um chá de menta, sempre à procura dos cheiros e das cores. No chão, passada a zona das frutas, há ossos de animais à vista, próximos do talho. A carne, exposta ao ar livre, não é particularmente atractiva, mas o mesmo não se pode dizer daquela que, depois de picada (kefta), é grelhada no pequeno restaurante contíguo. Roupas, animais, utensílios de cozinha, azeitonas, especiarias, tudo se compra e tudo se vende seguindo essa arte secular que é o regateio. Nunca, como em Oued Laou, uma tangerina, de tão suculenta, nos soube tão bem, nunca, como em Oued Laou, mas já com as ondas do Mediterrâneo a virem namorar com as areias da praia, a pouca distância do mercado, conhecêramos um final de tarde tão mágico. Uma jovem caminha, pensativa, de costas para o mar; um cão brinca por entre as redes e os barcos pintados de vermelho e azul. O muezzin chama para a oração e um crepúsculo brusco abate-se sobre nós antes do regresso a Chefchaouen através daquela estrada agora na penumbra. Mas, como um crente, também nós aceitamos o destino.