Fugas - viagens

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Chefchaouen e os mil matizes de azul

Atracção
- Balak, balak! As ruas estreitas da medina, uma exiguidade que lhe confere um ar despretensioso e íntimo, não permitem o acesso a carros.

Mas aqui e acolá os burros sobem e descem, carregando bilhas de gás, lenha, tudo ou quase tudo, até que as forças rocem o ponto do esgotamento. Os poucos turistas, menos familiarizados com este súbito tráfego, desviam-se no último segundo e o dono do animal, com olhos despidos de humor, incita o "pequeno táxi" a prosseguir o seu caminho. Como é diferente Chefchaouen quando, depois de um fim-de-semana, tudo regressa à normalidade. À segundafeira é dia de mercado e a cidade, quase sempre discreta, enche-se de cor. É como se recuperasse a sua essência de vida, embora sem perder o seu charme, a sua serenidade.

O sol incide sobre as paredes avermelhadas do kasbah, a cidadela construída no século XVII que domina a praça Uta el Hammam. No interior, um jardim andaluz com bonitos lagos mas também um museu etnográfico e algumas celas. Numa delas, foi feito prisioneiro Abd el-Krim, em 1926, após a derrota com os espanhóis.

Suprema ironia para um homem que fez do kasbah o seu quartelgeneral para impedir rebeliões das tribos berberes e os avanços das tropas espanholas e portuguesas.

É possível subir e ter uma perspectiva da cidade, admirando os diferentes tons de azul que a vestem. Nas esplanadas da Uta el Hammam, que deve o nome a uns antigos banhos existentes na praça, novos e velhos estão sentados a ver o mundo que passa.

Lojas de artesanato estendem-se até à vizinha Praça de Makhzen, onde, subindo umas escadas, já a caminho do rio, se bebe um delicioso batido de frutas. Pisando calçadas de pedra milenares, sem pressas, observamos recantos pintados de azul, crianças a jogar à bola, um ou outro olhar dócil, aqui e acolá alguma indiferença mas nunca hostilidade, até transpormos a Bab el-Ansar. Dois passos adiante, à esquerda, uma entrada discreta revela um dos segredos mais bem guardados de Chaouen. Sobe-se, recolhe-se uma cadeira de plástico num pequeno café onde àquela hora os homens jogam às cartas, sobe-se mais um pouco e, numa espécie de gruta escavada na montanha, podemos instalar-nos e espreitar as gentes que passam sem sermos avistados.

Dentro de breves minutos, chega o empregado com um chá e não tardarão a chegar também as abelhas, que desejam partilhar aquele momento. Um grupo de velhinhos, com as suas djellabas creme, conversa animadamente sentado num muro, a escassos metros de Ras al-Ma, a fonte que abastece a cidade e onde é possível entrar a troco de uns dirhams; uma mulher olha o horizonte, perscrutando a mesquita pintada de branco e o rio que corre; outras mulheres, por vezes com bebés nas costas, lavam as roupas nos tanques, como em tempos ancestrais. Ao lado da lavandaria, conhecida como Ishilhayn, o rio continua a sua marcha e há-de passar, em segundos, sob a ponte construída por portugueses e ao lado de moinhos, uns ainda em actividade, outros vendidos a estrangeiros. Sentados no café, sustemos a respiração, veneramos o lugar e ignoramos o tempo. Não é fácil esquecer Chaouen, mais difícil ainda se torna partir.

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