Fugas - viagens

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Chefchaouen e os mil matizes de azul

Desde a nossa primeira visita, em 1998, as diferenças são visíveis, com as mulheres a projectarem a mudança mais radical. A despeito de vestirem a típica djellaba, muitas delas, especialmente as mais novas, abdicam de usar o véu e passeiam elegância e sensualidade pelas ruas da cidade. Com uma população a rondar as 40 mil almas, na sua grande maioria jovens, Chefchaouen conta, não obstante este aparente divórcio com a religião, com nada mais nada menos do que nove mesquitas e doze zaouias, escolas religiosas também conhecidas por madrassas.

A luz escoa-se e a escuridão desce sobre a Praça Uta el Hammam quando ainda falta tanto para ver.

Mas em Chefchaouen, mais do que em outro lugar qualquer, Deus dá o tempo sem nada cobrar em troca.

Descendo até à cidade nova, de volta à Rua Sidi Srifi, mais um chá, verdadeira instituição marroquina, serve de aperitivo para um tajine divinal e para conversas que parecem eternas. A noite está serena, as estrelas salpicam o céu e o ar está frio.

Cheiros
Hoje, sábado, é dia de mercado em Oued Laou, a escassos quilómetros de Chefchaouen, que acorda cheia de sol e com uma serenidade tranquilizadora. De novo na estrada que liga a Tetouan, desviamos à direita ao fim de breves minutos, seguindo para norte, na direcção do Mediterrâneo. As paragens, motivadas pela imponência da paisagem e pela singularidade das pessoas que se cruzam nos nossos caminhos, muitas delas a pé, sucedem-se num arrebatamento que faz com que, depois de uma noite dormida à pressa, aceitemos mais facilmente os prazeres da manhã. Um homem, com um fez branco e uma djellaba castanha escura, barba por fazer, rugas sulcando-lhe o rosto, vem ao nosso encontro. Pretende vender a sua casa, mais um terreno que se estende até àquelas águas que agora assumem uma cor prateada, cansado que está de uma vida sem horizontes.

Uma jovem, com um mandil às riscas vermelhas e brancas, procura dominar os ímpetos de uma ovelha, uma outra, também vestindo um mandil, mas vermelho e azul, característico de uma tribo diferente, sobe incitando um burro carregado e já cansado.

Ao longe, cavalos pastam e, mais distante ainda, quase sumindo-se no horizonte, uma mesquita com um minarete branco destaca-se por entre tonalidades verdes.

Há obras na estrada e é com dificuldade que chegamos à ponte que atravessa o Oued Laou, o rio que, com a sua força, a caminho do mar, abriu profundas gargantas inspiradoras de grande respeito.

Um táxi, um velhinho Mercedes pintado de azul, transporta sete pessoas, algumas das quais acenam quando nos avistam. Pedras enormes ameaçam soltar-se e parar, como tantas outras, no rio que corre sem pressas. Pequenas nuvens acastelam-se agora no céu e lançam manchas de sombra. Para quem gosta de caminhadas, o lugar, ainda que inspire alguns receios, legitimamente fundamentados face aos incidentes pontuais ocorridos num passado recente, é o ideal para três ou quatro dias a pé, podendo o viajante recorrer ao auxílio de mulas e a guias especializados em alguns hotéis de Chefchaouen. Um dos percursos mais interessantes, pelo contacto com a natureza e pela possibilidade de interagir com a população berbere, conduz-nos até ao lago Akchour e à Ponte de Deus, através do Parque Nacional de Talasmetane.

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