Dos regressos
Mas dos dias de andarilho, o que fica sobretudo são as pessoas desse "Portugal profundo". "Fiquei com um grande apego às pessoas que vivem no interior, que se mantêm lá, com projectos associativos, com pequenos comércios, que tentam". E um grande "apego" aos guardiães da memória. "Deste livro que vai sair, já muita gente faleceu", diz Ferreira. "O senhor de Mértola que tomava conta da torre do relógio já não está lá", "já me ligaram de uma taberna de Pias a dizer que o senhor faleceu", o mesmo em relação ao senhor que tinha a campanha da pesca da xávega Torreira. O livro serve também para preservar os ensinamentos desta gente, alguns deles revisitados meses depois de dar a caminhada por terminada.
A oportunidade de voltar a alguns sítios surgiu com um convite de uma produtora italiana para gravar um vídeo para o canal de televisão Discovery, onde, em três minutos, se resume o projecto. Em Março, com a equipa da produtora, e desta vez de carrinha, percorreu o país, revisitando terras e gentes. "O reviver da aventura e o reencontrar de pessoas a quem fiquei ligado afectivamente caiu como uma bênção", resume Ferreira. "Com espanto e alegria", voltou à "tasca-museu de Francisco Fitas", em Cuba, "praticamente como a vira há três anos" e viveu o "reencontro mais emotivo" na Zimbreira, aldeia de Mação, com a família Portela, que o acolhera em Julho de 2008 numa altura em que andava "desanimado com a desertificação, a desconfiança de alguns moradores e abatido pelo intenso calor". Também tinha havido mudanças, a família fechara o último café da terra - sítio onde, nas paredes, se lia "O Sol quando nasce é para todos" ou "Zimbreira também é Portugal"; mas abrira uma esplanada: o Retiro da Esperança".
Voltou também à Serra de São Macário, à família e restaurante de Alfredo de Brito, e reviu Mariana, a "a primeira criança a nascer ali em 34 anos". Ou regressou também a Covas do Monte, "a aldeia das três mil cabras e 50 pessoas", às "estradas desertas" de Carrazeda de Ansiães e ao abandono da linha do Tua, "esse monumento a um Trás-os-Montes remoto e em extinção". E ao "último poço da morte em Portugal", onde o senhor Henrique Amaral, de 81 anos, em Aguada de Cima, Águeda, deixou de lado as canadianas para ser filmado a fazer o que mais gosta: pôr-se "em cima da mota e rodar como um jovem no poço".
A revisitação, graças ao vídeo do Discovery, só lhe deu vontade de planear outros retornos. "Ando morto por arranjar um projecto para voltar aos sítios". "Gostava de regressar, mas a pé vai ser difícil". "Talvez de bicicleta, ainda não sei". Agora, "parado", dedica-se ao lançamento do seu livro, às crónicas e artigos sobre o país e as suas gentes, mas também a uma segunda obra baseada na caminhada: será uma edição para a Fundação Manuel dos Santos, um ensaio sobre Portugal onde analisa ideias e conclusões deste país caminhado.
Portugal a Pé - o livro
Edição: Vertimag
Texto/fotografia: Nuno Ferreira
Nº de páginas: 500
Tiragem da 1.ª edição: 5 mil exemplares
Será lançado no início de Dezembro e custará cerca de 20€.
À venda nas livrarias e via o site do livro.
Em Dezembro: Sessões de lançamento pelo país (Porto, Coimbra, Figueira, Guimarães, Faro, Guia-Algarve) - agenda actualizada aqui e no Facebook do autor.