Não sabia a data de construção. Ouvi-a durante o pequeno-almoço.
A cada manhã, no terraço, à volta de uma comprida mesa, Manuela preparava o grupo para a descoberta da cidade que, como escreveu a jornalista e escritora Annette Grossbongardt, "balança entre o passado e o futuro, o cosmopolitismo e o nacionalismo, a memória e a amnésia". Distribuía pequenas fichas de leitura, o que na altura ajudava a interiorizar as suas palavras e agora permite retomá-las sem esforço.
Sobram motivos para visitar o que já foi Bizâncio, já foi Constantinopla, capital de dois impérios - o romano do Oriente e o otomano - sem deixar de ser Istambul, termo grego que quer dizer "para a cidade" ou "na cidade". Para onde se deve uma criatura virar quando só tem quatro dias?
Não havia muito a pensar. O plano era o grupo deixar-se levar pela mão da co-autora do Istambul 5 dias, blogue convidado do PÚBLICO. E fotografar, fotografar, fotografar. Vítor Costa, que é professor do Instituto Português de Fotografia, estava disponível para tirar qualquer dúvida técnica.
Havia quem estivesse a aventurar-se mais do que pareceria - há sempre alguém que está a aventurar-se mais do que parece à vista desarmada nas viagens da Fotoadrenalina. Um exemplo? João Ferreira, um engenheiro químico de 34 anos, estava pela primeira vez a usar lentes de focagem manual. Mesmo assim, no final do primeiro dia, se nada mais visse, já considerava ter ganho a viagem.
Estivemos a fotografar homens que a noite apanha a pescar na Ponte de Gálata, que atravessa o estuário do Corno Dourado. Parecia hipnotizado pelos pescadores que se exprimiam numa língua para si imperceptível: "A melhor luz para fotografar é a do nascer e a do pôr-do-sol ou imediatamente antes ou depois. Não há luz directa. A luz é mais difusa. Os tons são mais suaves."
Os pescadores amontoam-se. Apesar do frio, que o vento torna mais cortante, dir-se-ia que não largam as suas canas e os seus baldes. Há quem ganhe a vida a assar peixe ali para vender a quem está ou a quem passa, a concorrer com os muitos restaurantes que existem debaixo da ponte.
Foi ali, na Ponte de Gálata, que a médica radiologista Ana Almeida, de 33 anos, aprendeu a fazer "arrastões". Estava a desenvolver as técnicas de fotografia nocturna e pôs-se a "brincar" com os barcos que desciam ou subiam o estreito. O marido, Fernando Pires, na mesma profissão, um ano mais velho, destacava a cobertura que o grupo lhe dava para fotografar pessoas. Não estranham tanto as objectivas apontadas. Pensarão: "São turistas. Os turistas fotografam tudo."
Manuela falara naquele lugar durante a primeira sessão matinal, que era mais do que uma microlição de História, era uma sensibilização para o tal hüzün que se podia sentir nos pescadores da Ponte de Gálata, nos espelhos de água do Bósforo, que liga o Mar de Mármara ao Mar Negro, no vai-e-vem dos barcos, no olhar distante das mulheres de lenço, nas cores baças das roupas dos transeuntes, nos mármores acinzentados pelos anos, nos vestígios dos impérios perdidos. Estavam quase todos a usar preto e branco. Na infância, Pamuk vivera a cidade "como um lugar em dois tons, como a cor do chumbo, semiobscura, no estilo das fotografias a preto e branco". Ainda é assim que a vê. Mas nisso quem ditava cartas era Ara Güler, fotojornalista turco de ascendência americana, conhecido como "o olho de Istambul", que haveríamos de encontrar, por acaso, dias mais tarde, a tomar chá no seu próprio café, pertinho da Avenida Istiklâl.