Nas tardes de sol, é o lugar de encontro de uma população que perde o tempo nas esplanadas, regando as horas a cañas, purgas (pequenas sandes) da Malabar e pizzas da Maravillas. É ao lado do arco que simboliza a resistência de Manuela Malasãna, a criança que foi morta pelas forças do regime no início do século XX, fixada por Goya como símbolo da liberdade, que se reúne a assembleia popular do bairro, herdeira dos protestos de 15 de Março de 2011. Não seriam mais de 20 naquele dia. Reúnem-se todos os sábados, às 12h, mesmo que acusem algum cansaço. Filipa Afonso, 31 anos, psicóloga portuguesa há dez anos a viver em Madrid, está surpreendida por ainda ali estarem. Diz que a resistência deles espelha a forma de ser espanhola perante a crise. "Comportam-se como se não fosse nada." Veio para Madrid no programa Erasmus e não mais voltou a Lisboa. Gosta das pessoas, de estar sempre a abrir algo novo, de poder passar a tarde numa esplanada, fingindo que as nuvens da crise não vão fazer sombra.
Mas esse fluxo constante de construção e de movimento, aquilo a que se convencionou chamar movida, acabou e deixou órfãos. É na 2 de Mayo que encontramos Titi, arquitecta, "40 e alguns anos": "Setenta por cento do betão produzido na Europa em 2007 estava a ser utilizado em Espanha. Serviu para quê?". De facto, Madrid tem hoje vários espaços que se tornaram mausoléus da criação contemporânea, com gestão difícil - é o caso do Matadero, no bairro Legazpi, centro multidisciplinar que procura ainda o seu perfil depois de anos de tentativas, ou da Tabacalera, junto ao metro de Matadores, que se transformou num centro cultural tomado pela população, onde a maioria das actividades é gratuita. Estão "aguantando el chaparrón", diz, lembrando a letra da canção do grupo Bocanada: "Ahora tengo ressacas que enturbian mi cabeza,/ los dedos amarillos de mis noches de fiesta,/ dentro de mis lagunas aún tengo la certeza,/ de que tuve este sueño que mi mente recuerda".
Malasaña, bairro familiar
O sonho de uma cidade que prometia tudo, onde continuam a desaguar hordas de turistas todos os fins-de-semana, mas "de onde todos querem sair". Tomoto, 39 anos, que tem uma galeria na Calle de la Palma e está sentado à mesma mesa, é um deles. "Vou para Londres." A sua galeria até é das mais visitadas mas é por isso mesmo que se vai embora. "Estar em Madrid não é atractivo do ponto de vista comercial, as pessoas entram e olham, mas é difícil não estar no circuito internacional." Jaime, 38, professor, explica porquê: "Madrid es un pueblo, un povoado". É da cidade a que chama aldeia e deu aulas nas Canárias durante anos. Quando voltou não encontrou uma cidade melhor. Um discurso ao arrepio das imagens dos salerosos madrileños, que Jaime diz ser o reflexo de uma orfandade: "Uma falsa ideia de cosmopolitismo que começou na movida e acabou na crise económica."
Da mesa ao lado, a contestação. Três estudantes de Filosofia e História, barba cheia e barriga irreversível, levantam um livro de Foucault: "A solução de Madrid está na resistência. E tens que saber o que estás a defender. Senão, como o vais poder contrariar?" Um aponta para o centro da praça. A assembleia dispersou-se sem consenso sobre como iam almoçar e a praça voltou a ser ocupada pelos jogos de bola das crianças.