As mãos de Coriolano são como o fundo do Paraguaçu. O cascalho do leito deste e de outros rios da Chapada Diamantina deslizou pelas suas mãos até estas ficarem tão gastas e raspadas como a sua bateia mais gasta e mais raspada. Coriolano Rocha de Oliveira viveu o seu ofício de garimpeiro desde os 12 anos e durante 65 viveu de garimpo em garimpo. Há sete que este homem de 84 anos insiste em recordar, no seu improvisado garimpo caseiro, o que foram os diamantes para várias gerações de homens do Nordeste brasileiro entre meados do século XIX e o princípio do século XX.
Na Rua dos Negros, em Lençóis, a principal cidade desta região do Estado da Bahia, no Nordeste do Brasil, Coriolano reconstituiu uma "toca". A "toca" - uma réplica daquela que habitava no tempo em que garimpava - é uma tosca habitação de um só compartimento, com catre e espaço para acender o lume, revestida a barro e coberta por folhas de palmeira. Lá dentro, estão todos os velhos e enferrujados utensílios do dia-a-dia da autêntica tarefa de Sísifo que era e é a procura de diamantes. O que este antigo garimpeiro faz em casa é a demonstração viva de um passado que ocupou e desgastou demasiados homens que escavaram a Chapada com a esperança de enriquecer ou, na maioria dos casos, de enganar a fome e alimentar a família.
Num picual, um cilindro oco de raiz de imbé, como sempre fez, Coriolano guardou três diamantes de diferentes espécies, com os quais reproduzia, até há pouco tempo, até ser proibido pelo médico, a arte de os misturar num tanque com o cascalho do fundo de um rio, de os recolher com uma bateia e de os recuperar de novo. "Já me chamaram doido, mas encontro sempre [os diamantes]. Haja coluna." E agora, aos 84 anos, há que o reconhecer, há cada vez menos.
Alfrânio Peixoto, erudito de Lençóis, romancista, ensaísta, político, médico e, entre outras coisas, autor de Viagens na Minha Terra, livro de deambulações por Portugal, escreveu vários livros e compilou as Trovas Brasileiras - Populares: popularizadas. Numa estante da sua casa-museu, entre o centro da cidade e a casa do garimpeiro, é possível escolher e dedicar uma das trovas populares às mãos - e à coluna - de Coriolano. "Esperteza e Bom Senso: As idades neste mundo/têm os quinhões desiguais/moço pode, mas não sabe/velho quer, não pode mais".
Pode-se dizer que Coriolano foi esperto e sensato, não se pode dizer que Coriolano tenha enriquecido, "porque o patrão ficava com o dinheiro todo". Mas o velho garimpeiro teve um percurso diferente de quase todos os outros. Daqueles que, em momentos de embriaguez diamantífera, gastavam o que tinham e o que ainda não tinham em mais álcool e em mais raparigas. Ou que o despendiam em filantrópicos actos de religiosidade, como o caso do mãos-largas que erigiu a Igreja de São Sebastião em Igatu, diante do local onde descobrira o valioso diamante e que, claro, regressou ao garimpo mal se esgotou o dinheiro da venda. Mas pode-se dizer dele o que João Ubaldo Ribeiro dizia do seu Tertuliano: "Não vivera uma vida gloriosa porque não era seu destino."