Fugas - viagens

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Lviv, a cidade dos cinco nomes

Ao contrário do que acontece em Kiev, em Lviv os templos católicos - romanos e da igreja católica ucraniana, de rito grego - são a maioria e os templos ortodoxos a excepção. Um sinal da enorme distância que separa a Ucrânia ocidental da Ucrânia oriental, que pertencia ao império russo desde o século XVII, Kiev incluída. Há igrejas para todos os gostos, sobretudo renascentistas, maneiristas e barrocas. A catedral de São Jorge, numa colina um pouco longe do centro, distingue-se do conjunto.

A predominância dos católicos de rito grego na cidade do país onde mais se fala o ucraniano, segundo Andriy Sadovyy, é uma parte relevante da identidade de Lviv. Até porque, hoje, o elemento multicultural que fez crescer a cidade ao longo dos séculos é muito mais ténue. Os judeus foram perseguidos e mortos pelos nazis, os polacos deixaram a cidade quando esta se tornou definitivamente ucraniana. "Havia dez mil alemães, agora há mil. Hoje, 80 % da população é ucraniana", diz-me Diana, a guia que me conduz pela cidade de ruas perpendiculares.

Hoje estão em curso projectos para revitalizar os espaços judaicos na cidade, como a sinagoga, o cemitério e o campo de concentração nos arredores de Lviv, onde Simon Wiesenthal esteve preso. As guerras do século XX foram bem menos tolerantes do que as dos séculos anteriores. Lviv teve a sorte de escapar incólume à violência dos combates, tal como outra cidade histórica da Galícia, Cracóvia, na Polónia. Em Hitler's Empire, Mark Mazower recorda que na região de Lviv as tropas alemãs foram acolhidas como libertadoras. Ocupada pelos russos na sequência do pacto germano-soviético, em 1939, a cidade via os bolchevistas como invasores. Quando começaram a ver os prisioneiros de guerra soviéticos a ser abatidos indiscriminadamente ou deixados a morrer à fome pelos nazis, perceberam que se tinham enganado.


Sem estátuas de Lenine

Actualmente, a memória da cidade passa em boa parte pela recordação amarga dos tempos soviéticos e da perseguição religiosa. "Ao contrário do Leste, aqui não temos estátuas de Lenine", sublinha o presidente Andriy Sadovyy.

Numa das igrejas, a de São Pedro e São Paulo, fico a conhecer Stephan Sus, o capelão militar da Ucrânia. Digo-lhe que há uma igreja com uma fachada parecida com a dele em Lisboa (a da Misericórdia). Ele aquiesce. Já esteve em Portugal e fala-me dos encontros que teve com D. José Policarpo. Até há não muito tempo, a sua igreja era um depósito de livros, onde estavam desde obras confiscadas a presos políticos às obras completas de Lenine e Estaline. "Saíram daqui mais de cem camiões cheios de livros e estantes. Muitas outras igrejas eram usadas como armazéns, uma chegou mesmo a ser um restaurante." Também a Igreja dos Dominicanos , uma das mais importantes da cidade, foi um museu do ateísmo até 1972.

A repressão religiosa abateu-se sobretudo sobre os católicos e os ortodoxos ucranianos, cultos cujas missas são em idioma ucraniano. A única igreja tolerada na era soviética era a ortodoxa russa. "Em 1991 só havia oito igrejas a funcionar em Lviv. A abertura começou nos últimos anos de Gorbatchov, mas até aí reuníamo-nos clandestinamente, com medo que a polícia aparecesse", completa o padre Stephan Sus.

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