Fugas - viagens

Lviv, a cidade dos cinco nomes

Por Miguel Gaspar

Lviv parece uma emanação do império austro-húngaro que sobreviveu ao tempo. Desde o século XIV que a multiculturalidade é o factor dominante da mais europeia das cidades ucranianas. Mas o século XX foi bem menos tolerante do que os anteriores.


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Quantos nomes pode ter uma cidade? Quando falamos de Lviv, a cidade mais ocidentalizada da Ucrânia, a diversidade de nomes reflecte bastante mais do que os vários impérios que governaram a cidade desde que o rei Danilo I da Galícia a fundou, dando-lhe o nome do seu filho, Lev, em meados do século XIII. Delphine Bechtel, uma investigadora que estuda as cidades multiculturais da Europa Central e de Leste, chamou-lhe a "cidade das fronteiras incertas".

E identificou os cinco nomes diferentes que a designam: Leopolis (latim), Lemberg (alemão), Lwów (polaco), Lvov (russo) e Lviv, a designação actual, (ucraniano). Conquistada pelos polacos no século XIV, integrou a união entre a Polónia e a Lituânia a partir de 1569 (que ia do Báltico ao mar Negro) e o império austríaco (depois austro-húngaro), a seguir à partição da Polónia (de 1772 a 1918). Complicado? Paciência. A história ainda vai a meio. Após a guerra de 1914-18, foi disputada entre a Polónia e a efémera República da Ucrânia, que em 1922 passaria a fazer parte da URSS. Com o fim do mundo soviético, em 1991, passou a ser ucraniana.

A cidade das fronteiras incertas podia ser também a cidade errante da história. "Somos uma cidade europeia e o último tesouro que a Europa ainda não descobriu", diz o presidente da câmara da cidade, Andriy Sadovyy, um independente, que me recebe na sede do município, no centro da praça principal de Lviv. Da varanda avistamos a cidade histórica, uma área de 120 hectares classificada como património mundial pela UNESCO, as fachadas renascentistas da praça, as torres de algumas mais de cem igrejas de Lviv.

Não foram apenas os impérios que tornaram imprecisas as fronteiras da cidade. Foram os comerciantes e todos os que foram acorrendo a esta localidade entalada na fronteira entre a Europa central e o Leste: arménios, judeus, gregos, italianos, alemães, turcos, todos deixaram a sua marca ao lado dos polacos, ucranianos e ruténios. E o que torna Lviv única e fascinante é a forma como cada uma dessas comunidades construiu os seus bairros, as suas igrejas, os seus palácios, os seus pátios. O urbanismo transporta essa multiculturalidade que é o testemunho da liberdade de que a cidade e os seus habitantes usufruíram ao longo do tempo.


Aterrando na URSS

Mas quando se aterra em Lviv está-se longe de adivinhar a cidade onde estamos. O aeroporto é uma típica aerogare soviética dos anos 1950: uma casinha neoclássica de dois andares, com árvores do lado da pista. Back in the USSR, dos Beatles, devia estar a despontar na minha cabeça com o silvo de um motor jacto, mas não há tapete para as malas: um funcionário vai-as atirando uma a uma da pista para o interior do edifício... A minha, por acaso, era a primeira. Por enquanto, é assim. No imediato, só uma companhia alemã opera na nova aerogare.

Quando esta estiver operacional, a velha será transformada num terminal para voos VIP. Uma transição sem escala do comunismo para o capitalismo. Em Kharkiv, no Leste, a única cidade onde o novo terminal aéreo já está a funcionar, o velho, outro delicioso caramelo estalinista, já foi recuperado e reconvertido para a função de receber os passageiros que voam em jactos privados. Em Lviv não deixarão de apreciar os tectos onde estão figuras de operários e camponeses em plena labuta, na boa tradição do realismo socialista.

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