Combinamos encontro com os amigos debaixo do cogumelo gigante, na praça central de Alcaide. Que melhor sítio poderíamos escolher, se foi por causa dos cogumelos que viemos até esta aldeia do concelho do Fundão?
Havia, é certo, muitos outros cogumelos possíveis, por exemplo, o guarda-chuva vermelho com pintas brancas à porta de um dos muitos bares improvisados para o Míscaros - Festival do Cogumelo. Mas o da praça central pareceu-nos o maior, e foi daí que partimos, atrás do engenheiro Gravito Henriques, técnico da Direcção-Geral de Agricultura e Pescas, para um passeio micológico às dez da manhã de domingo (o festival decorreu entre 16 e 18 deste mês).
“Ai, tanta gente”, não se cansa de dizer Gravito Henriques, enquanto uma pequena multidão se junta no centro de Alcaide. Muitos trazem cestos de verga e pequenas faquinhas, na esperança de voltarem carregados de cogumelos. Mas Gravito Henriques baixa as expectativas. “Este não é um passeio para apanharmos cogumelos. É para os conhecermos.”
A multidão arranca, olhos cravados no chão a ver quem é o primeiro a descobrir um cogumelo. Alguém grita “Está aqui um!”, e todos se precipitam para tentar ver. É um lepista nuda. O nosso guia aproveita para explicar que os cogumelos se dividem em três grupos conforme a forma como se alimentam: consumindo matéria orgânica morta (são os sapróbios, e só estes podem ser cultivados), sendo parasitas (ou seja, consumindo outros seres vivos), ou estabelecendo relações de simbiose com algumas plantas (os chamados micorrízicos). “O lepista nuda só pode ser consumido depois de cozinhado”, avisa.
Mas há um outro conceito que Gravito Henriques quer fazer passar porque é essencial a quem se interessa por cogumelos. “Quando apanhamos o cogumelo estamos a apanhar a azeitona da oliveira, ou seja, estamos a apanhar apenas a frutificação.” Por baixo dos nossos pés, sob a terra, está o micélio, os filamentos do fungo que são o equivalente à árvore que dá o fruto. Daí que seja preciso um cuidado especial para não destruir o micélio quando se apanha um cogumelo.
Alguém localiza outro cogumelo, parasita de uma cerejeira. “Pode ser consumido, mas não tem grande interesse.” Mas, sendo parasita, se o encontrarmos o melhor a fazer é retirá-lo para proteger a árvore, aconselha o engenheiro.
Seguimos passeio, saímos da estrada e avançamos por entre as árvores. São cada vez mais os cogumelos. Gravito pega noutro. “Este é uma boletácea. Não tem grande interesse gastronómico, mas, na falta de melhor, marcha.” Aparece finalmente um boleto. “Este é um excelente comestível. A carne é branca e não muda de cor. Tem alto valor gastronómico e comercial.” E depois um lactarius deliciosus. “Outro excelente comestível. Há quantidades exorbitantes dele nos pinhais. Reparem: segrega um látex cor-de-laranja e vira verde passadas horas. Isso não tem problema nenhum, é só oxidação.”
Mais tarde, já de regresso a Alcaide, Gravito Henriques vai fazer uma sessão para analisar os cogumelos colhidos durante o passeio, e é aí que aparece o temível amanita falóide. Tem um ar inocente, mas “dois destes matam uma família em pouco tempo”. É conveniente nunca estragar o pé quando se apanha um cogumelo porque é no pé que está muita da informação que permite identificá-lo. E se alguém encontra um amanita falóide vai querer identificá-lo sem deixar margem para dúvidas. E, já agora, cuidado também com os cogumelos das histórias infantis — os vermelhos de pintas brancas chamam-se amanita muscaria e são tóxicos.