Não é a mesma relação que os tritões da Piazza Navona estabelecem com quem os vê, nem com aqueles que se seguram na Fontana di Trevi, estes a desfazerem-se na própria fachada dopalazzo. Porque estes tritões são, de facto, gigantes, e, nesse gigantismo, esmagam-nos. Ou como no momumento de Castor e Pollux, na Piazza del Quirinale, onde a sua monumentalidade é sugerida pela fonte e o obelisco que completa o conjunto escultórico. Aqui, descubro depois, em palavras melhores do que as minhas, as de André e. Teodósio, co-autor, com Vasco Araújo e Alexandre Melo, de Império (edição Assírio & Alvim, recentemente saída), o poder é algo inconsciente. Escreve ele: “O Poder ou a Consciência do Poder é de que ordem? Expressa-se fisicamente ou racionalmente? Ou é um misto dos dois?”. E depois, mais à frente: “O Poder tem um lado de mistério” que virá da sua “dimensão do desconhecinho que nós ainda hoje temos”.
E, olhada de frente, deixada ao sortilégio de um jogo de luzes artificiais com as quais os visitantes podem iluminar a representação, criando assim a ilusão que Bernini havia sugerido ao colocar Santa Teresa não exactamente no centro da moldura, mas exactamente no lugar onde o raio de luz, o longo braço de Deus poderia entrar, o que se vê, nos emociona, quase nos desequilibra e nos leva a sentar nos bancos que, por uma organização arquitectónica, nos fazem desviar o olhar de Santa Teresa para os olhares da família Cornaro, que havia encomendado o trabalho a Bernini e ele, perversamente, os colocou como espectadores desta encenação.
Escreve Mega Ferreira, sobre esta pulsão erótica, este jogo de imaginado (e sentido) desejo: “Por uma luz que se imagina e idealiza, mais do que se vê, Santa Teresa sofre — e goza. O êxtase dá-lhe espasmos da mais autêntica alegria interior; mas, no ricto que anuncia a plenitude, passa o grito da alma que se tortura e aniquila, na entrega a Deus e à munificiência do Anjo. Por baixo do emaranhado de panos, cinzelados no mármore branco, quase cristalino, sobre a nuvem que o suspende, imponderável, acima das paixões humanas, contorce-se um corpo em humaníssimo deleite. As roupas não ocultam, realçam o espasmo delicioso. É como se Deus fosse apenas movimento.”
Crise, qual crise?
Esse movimento é constante, essa circularidade permanente. Vemos a Pietà, na Basílica do Vaticano, e achamo-la demasiado pequena para tamanho espaço e depois percebemos que a fé, e a sua representação, não vivem de uma exposição extrema. “A experiência da fé é da ordem da intimidade”, conta-nos um padre que se senta ao nosso lado na igreja de Santo Ignazio de Loyola, onde paramos para um concerto organizado pela comunidade alemã. Tocam Brahms e olhamos à nossa volta, para a confluência de modos de organização do espaço, pensamos nos votos de discrição e generosidade que Ignazio procurou defender. Da mesma ordem de intimidade reservada para o culto a Pedro, o protector da cidade, o primeiro dos Papas que no Tempietto, em San Pietro in Montorio, se esconde, se guarda da opulência da cidade. Pequeno lugar, protegido por uma escada de difícil acesso e por muros que guardam também tesouros espanhóis, foi nele que Pedro foi crucificado, de cabeça para baixo, por não se considerar digno de crucifixo semelhante a Jesus Cristo.