Depois de apresentados, depois de trocadas impressões genéricas sobre a crise em Portugal, Giulia, casada com Massimo, apresenta-se como herdeira de uma fortuna em Milão. Não o diz com todas as letras, mas é isso que dizem os seus anéis e a pele que lhe aquece o pescoço. “Roma sempre foi muito preguiçosa. Sempre acreditou muito no poder que tinha, mas esqueceu-se sempre que éramos nós que deixávamos que tivesse esse poder.” Federica e Mario são de uma provincial perto de Roma. Foram os filhos que os aproximaram, andam na mesma escola, farda posta durante a semana, deposta ao fim de semana depois da missa. Olham, os quatro, para Mario Monti e respiram de alívio, porque sabem que a realidade é o que vai acontecer dentro de momentos. E Giulia continua: “O pequeno-médio burguês vai continuar a votar nos Berlusconis.” Perguntamos se o poder já não se compra e é Massimo quem intervém: “É preciso que alguém o tenha para vender.”
Poder, sempre poder, mesmo que disfarçado e expresso nas mais pequenas formas. Acabamos, como só poderíamos acabar, na Fontana di Trevi. Mulher amante-mãe, dizia-nos o taxista. Onde está?
A mulher-polícia para quem olhamos é feita de um rosto ossudo, de um corpo seco, escondido por um casaco largo, sem formas. Aponta, com um mecanismo forjado pelo tempo e a prática, as respostas aos turistas que, “acham eles”, diz-nos depois, esperam pelo fim do jogo de luz e água para entrarem na fonte. “Para imitarem o filme?”, perguntamos, retoricamente. “Para levarem uma multa”, responde, abrindo o rosto a uma gargalhada. A mulher-polícia diz-nos o nome enquanto acende um cigarro. Sofia. Está na vigia da Fontana di Trevi vai para mais de quinze anos. Nunca virou costas para atirar uma moeda, como diz a lenda que se deve fazer. “Somos daqui, não precisamos”, diz, chamando à conversa a colega que está dentro do carro. Maria, de Perugia, ela sim, veio aos 20 anos para Roma “porque em Roma não se comia o mesmo todos os dias”. “Somos daqui, não precisamos, guardamos as moedas para o tabaco.” Anita Ekberg também não lhes diz nada. “Nem foi filmado no Verão”, diz Sofia, “nada daquilo é real mas as pessoas querem copiar”. E devolve-nos a pergunta: “O que acha que procuram?”.
Olhamos para a fonte, para os novos papparazi, os indianos que viram negócio em polaroids que vão dos três aos 10 euros e que insistem que uma fotografia feita por eles é melhor do que uma contorcida feita pelas máquinas que os turistas trazem para se fotografarem em frente à fonte, tendo como cenário a própria memória e não o trabalho de Bernini. “Uma ideia de felicidade”, respondemos. “Com vinte cêntimos não podem esperar grande coisa”, diz Giulia, a terceira mulher-polícia, que se junta à conversa para depois lembrar que está na hora de fechar a fonte. As mulheres fazem correr junto aos pilares uma fita de plástico que interdita o acesso à fonte e deixam-se ficar a observar os varredores, todos homens, que vêm para a limpar dos copos de gelado, das beatas de cigarro, das rosas compradas aos mesmos fotógrafos de improviso, e que entretanto os apaixonados foram deixando cair e pisar. E temos a noção perfeita do fim de uma época quando vemos esta inversão de papéis. “Olhe, está a ver, agora são eles que vão para a fonte”, diz Sofia. Ainda há quem fique depois disto, esperando que a polícia se vá embora, achando que, madrugada dentro, é mais fácil entrar e chamar por Marcello, mesmo que Marcello agora se chame Anthony, John, Pedro, Ricardo, Matthew, Ang, Luc, Kunal e tantos outros nomes que ouvimos chamar para mais uma fotografia. “Olhe para ali, para aquele canto”, diz-nos Sofia, “eles não sabem, mas está ali uma câmara que regista tudo”. “Não podemos deixar que as pessoas vandalizem o monumento.” A ordem antes da memória? “É um bem público. Antes até havia quem tomasse banho na fonte, quem a usasse para se refrescar no Verão, até focas nadaram aqui, mas hoje seria um problema de ordem pública.”