Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
  • Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão
    Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão Ireneu Teixeira
  • Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão
    Declarada Reserva Natural e Património da Humanidade pela UNESCO desde Janeiro de 1986, Sian Ka’an espraia-se ao longo de 528.147 hectares na Península de Iucatão Ireneu Teixeira
  • A zona arqueológica de Tulum é uma das mais procuradas para encontrar os vestígios da civilização maia
    A zona arqueológica de Tulum é uma das mais procuradas para encontrar os vestígios da civilização maia Ireneu Teixeira

O lugar onde nasce o céu

Por Ireneu Teixeira

O tesouro mais bem guardado do México caribenho fica a dois passos da buliçosa Riviera Maia, no estado de Quintana Roo. Um paraíso singular que reúne argumentos para rivalizar com as aclamadas Chichén Itzá, Tulum ou Cobá. Aqui, impera a lei da natureza, pese as pressões da indústria hoteleira para desvirtuar esta dádiva celestial listada, pela UNESCO, como reserva da biosfera e património da Humanidade.

O manto negro abriu-se com estrondo, cobrindo de água a terra. Afiançam-me ser prática costumeira por estas latitudes tropicais. Temerário, preparei-me para um dilúvio matinal que, entretanto, se diluíra em passe mágico, facilitando-me o assalto ao castelo. À entrada, duas guardiãs de carapaça enrugada e escamada, camuflada por dezenas de minúsculos painéis solares. Imóveis e de semblante cenhoso, as lustrosas iguanas franquearam-me a passagem de acesso à combinação demandada: cultura, história e praia cartão-postal. Acabara de conquistar Tulum perante a despreocupação de um vasto exército de répteis que se espraiam por todos os poros. O promontório onde os maias instalaram o castelo — a única zona arqueológica (conhecida) na beira do mar — serve de farol a uma paleta de cores que variam do azul chumbo ao verde coralino.

São oito da manhã. O contraste das construções em pedra com o mar das Caraíbas leva-me a recuar à época dourada da região, iniciada em 1200 e interrompida com a chegada de nuestros hermanos, em 1550. Instintivamente, calcorreio a antiga Zamá, “amanhecer” em maia, cujos habitantes eram peritos em toponímia e, também, em arquitectura. Algumas das construções, agora em ruínas, foram inclinadas com o propósito de suster melhor a investida dos furacões, visitantes tão assíduos quanto indesejados nestas paragens. Outra das criações engenhosas dos indígenas prendia-se com a proliferação de colunas, que, afinal, serviriam, apenas, para amparar o ego e estatuto do proprietário.

Abraçado por um verde florestal e um azul-prateado intensos, sinto a cabeça a pipocar perante tão inclemente canícula. Aos primeiros indícios de movimentação humana, esgueiro-me pela escada de madeira em caracol e desaguo num manto farinhento que aqui se chama areia. Mergulho no caldo translúcido enquanto perscruto o agito no alto do promontório. Avisto as fendas das construções de onde se erguiam tochas de aviso às canoas ao largo (os maias não tinham barcos), orientando o caminho por entre a segunda maior barreira de coral do mundo que atapeta o mar florescente. A paz de espírito enfraquece à medida que os raios solares penetram pelas janelas dos vetustos edifícios, anunciando a hora crítica, a de ser cozido em água a ferver pela acção do astro-rei. A chusma que se acotovela no miradouro faz-me sentir a mais num paraíso que usurpei por breves minutos. Arribo a escadaria com parcimónia, em contramão com o tráfico humano, até dar de caras com um sorriso a rivalizar com a alta estatura. Engelhada pelo fogo tropical, uma das mãos ostenta um panfleto entretanto carcomido pela humidade. Lê-se em parangonas: Sian Ka’an – Perla del Caribe.

Como? Pergunto-me, após, mecanicamente, ter aceitado o papel ferrugento. O nome exótico suscitou-me interesse. Estava de passagem na região, sem eira nem beira certa, ao sabor de um vento que começou a soprar forte, encrespando as ondas e, com ele, devolvendo as pessoas ao areal, que nem iguanas estendidas ao sol.

- Sian Ka’an!

De feição marcadamente indígena, entre duas longas tranças soltas a partir da nuca — Jorge Machado Castro provinha de Chiapas e tinha estudos superiores — prontificou-se a desvendar o que, para mim, era um lugar oculto.

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