Fugas - Viagens

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Uma lágrima, dez praias e mil sorrisos

Por Sousa Ribeiro

Uppuveli, Nilaveli, Kalkudah, Passekudah, Arugam, Tangalla, Mirissa, Unawatuna, Hikkaduwa e Jungle Beach — eis as praias do Sri Lanka para onde viajamos.

A escuridão descia sobre a terra e sobre as nossas cabeças o céu nocturno de Uppuveli iluminava-se de todas as estrelas. Retalhos de uma luz ténue dançavam no rosto da mulher que se sentava à minha frente, um rosto bronzeado e sulcado de rugas como alguns dos caminhos, depois das chuvas, que me conduziram até uma casa onde, numa noite como esta, silenciosa, escuto o rumor do mar e deito de vez em quando um olhar ao casal de crianças que dividem o tempo entre os trabalhos de casa e um desenho para mim ou para a mulher de cabelo curto e olhos verdes que me faz companhia.  

- Quando casei, já tinha um filho, resultado de um acidente, de uma noite romântica numa praia para onde fôramos com o pretexto de celebrar o Midsummer, porque em Oslo não se festejava, era tudo muito aborrecido. Ele chamava-se François, escapara ao regime de Franco. Não me pergunte como, mas ele chegou à Noruega pouco antes de completar 15 anos, à procura de uma amiga que conhecera, uma funcionária das Nações Unidas.

Já antes apreendera o humor com que me relatava algumas das suas experiências de uma existência feita de múltiplas viagens. Imaginava que, depois do lado dramático de mais um relato, algo capaz de me fazer rir com vontade estaria a caminho. Como se ela, já contagiada pelo sorriso eterno do povo, personificasse a história recente do país, erguendo-se depois de guerras e catástrofes naturais.

- Ao fim de algum tempo descobri que ele tinha problemas, que bebia muito e, mais do que isso, que não podia ser um pai. Nessa altura, eu era enfermeira e, uns anos mais tarde, outra vez grávida, casei com um médico que aceitou adoptar o meu primeiro filho.

Ela esboça um sorriso que é um prenúncio das palavras humoradas que estão a chegar-lhe aos lábios.

- O meu marido era, já nesse tempo, um médico conceituado, para quem os pacientes estavam acima de tudo. Disse-me que não podia ir de lua-de-mel comigo, que não tinha tempo. No início, ainda pensei que não o devia levar a sério. Mas quando dei por mim já estava sentada num avião, a caminho da Grécia, com a minha irmã, o meu filho e grávida de outro. Ainda hoje acredito que sou um caso raro no mundo, a única mulher que foi de lua-de-mel com a irmã, um filho pela mão e outro na barriga.

Randi Nilsen passa quatro meses por ano no Sri Lanka, numa casa alugada, a meia dúzia de passos da guest house onde me encontro, em Uppuveli, e da praia que espero ver amanhã, quando o sol se levantar, aclamada como uma das melhores na região de Trincomalee e de volta aos seus dias de paz após anos e anos de conflitos.

- Caminha até ao final, para a tua esquerda, há uma aldeia de pescadores muito bonita, cheia de cor, do outro lado do rio.

Randi Nilsen regressa a casa, para terminar mais um esquema de palavras cruzadas que depois enviará para uma revista de saúde norueguesa. Haveremos de nos encontrar mais vezes nos próximos dias, para rir como se ri no Sri Lanka.

Nada mais se deseja

Mal acordara daquele sono profundo e retemperador, ainda aos primeiros alvores do dia, e deixei os meus passos levarem-me na direcção de onde vinha o rumor das ondas. Para quem, como eu, acabara de chegar de Jaffna, dessa cidade inacessível durante a guerra, Uppuveli surgia, mesmo sob nuvens baixas e cinzentas, como a primeira praia que realmente cativava o meu olhar, embora por vezes distraído mas quase sempre inquiridor. O sol procurava, já com alguma força, romper por entre aquele cortinado que não ameaçava chuva, um quadro tão do agrado das vacas indolentes que me olhavam com indiferença e menos dos poucos turistas que, a estas horas madrugadoras, estendiam as suas toalhas sobre as areias que acolhiam tudo o que o Índico rejeitara ao longo de uma noite em que namorara a praia.

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