Há uma espécie de deslumbramento em quem o diz - e ouvimo-lo de várias pessoas: na ria Formosa, "tudo o que fica na água ganha vida". Uma corda, por exemplo, deixa de ser uma corda, revestindo-se de anémonas e outros cnidários para tornar-se em algo que tem tanto de atraente como repelente; barcos encalhados ou desmantelados rapidamente são tomados de assalto, tornando-se híbridos de matéria inerte e surtos de vida.
A ria Formosa é um fenómeno - primeiro porque nem sequer é uma ria, é um sistema lagunar a encerrar sapais protegidos em cordões dunares que são ilhas, estreitas e compridas, sujeitas a caprichos impetuosos (climatéricos) e insidiosos (geológicos). Ainda é do tempo de muitos, uma ilha da Culatra muito mais pequena, sem a língua de areia que quase toca a ilha de Armona - que também inclui a Fuseta que há poucos anos o mar decidiu reclamar; outras histórias são mais antigas, como a do tsunami de 1755, que engoliu a ilha de Cabanas, devolvida anos depois.
É um ecossistema distinto e não só do ponto de vista natural: também entre o litoral-algarvio-sedento-de-turismo. Na ria Formosa, as ilhas são as praias de Faro, Olhão, Tavira... E exigem mais ou menos devoção para desfrutar do sol, dos areais longos (quase sempre) e do mar transparente, verde e azul-turquesa. Antes de mais porque a viagem começa num barco - excepto em Faro, cuja "ilha" está ligada por estreita ponte - e pode continuar por passadiços que atravessam dunas e lagoas, às vezes por largas centenas de metros. Por isso, claro, as praias mais "longínquas" são as mais reservadas; de qualquer forma, em cada ilha, muitas vezes basta caminhar pelo areal para encontrar sítios desertos. Em qualquer uma delas, parece omnipresente o barco à vela que passa no horizonte.
Repetem-nos que o Farol é uma ilha. E a Fuseta também. A Barreta, poucos conhecem. Instalam-nos a confusão, desfeita, de vez, na água: a primeira é na Culatra, a segunda na Armona e a terceira é a Deserta. A geografia não é tão pródiga quanto a tradição de chamar "ilha" a diversas povoações insulares.
A família Penguilly pode não ter tantas ilhas na cabeça, mas percorre metodicamente todas as praias da ria Formosa. "Todos os verões descobrimos novas praias", explicam. Fuseta, Manta Rota, Pedras d'el Rei, Ancão... Foi em Moncarapacho que decidiram construir a "casa de família", onde todos se reúnem durante o Verão. Ele, reformado, passa "quatro, cinco meses" aqui; ela trabalha na Bretanha "para manter a casa", brinca; os netos estão seis semanas de férias; os filhos vêm metade do tempo. "Adoro", afirma Christian Penguilly, "tem praia, campo, montanha". Com os netos, Noa e Chiara, é na praia que mais passam tempo: hoje constroem o que parece um forte mas é na verdade a casa da família - o enorme pátio, a piscina, está tudo lá, aponta. Mas vêm só à semana, avisam. "Ao fim-de-semana, deixamos para os portugueses."
Ilha que não o é
Quando veio para a ilha de Faro (N 37° 0" 29.4546" , W 7° 59" 41.265"), vivia numa cabana de junco. Foi há 52 anos e "tudo era diferente". Isabel Libório recorda: "Chorei muito, estranhei tudo, não tinha nada a ver com a Quarteira. Ia ao café, à missa uma vez por semana", recorda. Veio por amor, que mais? "O meu marido nasceu aqui." A esta hora, ele está a dar o seu passeio diário de bicicleta pela ilha, já não pesca mas ainda vai às "amêijoas todos os dias" e ela varre o caminho em frente à sua casa - um passadiço de cimento, colocado para passarem os veículos do INEM e do lixo, entre o dédalo de casinhas, que lhe roubou o pequeno jardim que tinha. Agora, gosta deste sossego, "longe da barafunda no largo [da estalagem]".