As colunas já não são necessárias, o rio está mais longe. Voltamos ao Tejo, onde os mouchões se formam em meia dúzia de anos, se separam, desaparecem; onde as margens esticam e encolhem, se fazem de areia ou de árvores que se precipitam na água; onde os mouchões compõem falsas margens: navegamos e por vezes o que pensamos ser margem é ilha (ou cordão de ilhas) — a separá-las, estreitos canais (os esteiros) onde, conforme as marés (o rio aqui é tratado por mar), se pode passar de barco ou não.
Do lado de Salvaterra de Magos, por exemplo, houve praia afamada — a praia Doce. “Chegavam a vir aos 50 autocarros.” Agora os salgueiros precipitam-se na água ou vemo-los com os troncos nela, os juncos pejam a borda de água — e isto significa que novamente a margem está a crescer. É sempre assim, contam os irmãos, um director de arte e um engenheiro agrónomo, que gostariam de fazer destes passeios actividade a tempo inteiro: primeiro começam a acumular-se areia, depois vêm as ervas e mais tarde surgem as árvores. Vemo-lo na ilha das Garças. Os nomes das ilhas não enganam — “É o nome do local ou do que se passa nelas” — e esta é a mais importante colónia portuguesa. “Nidificam cinco tipos de garças” e recentemente chegaram ibis pretas. Por esta hora, vemos crias, sobretudo; ao fim do dia voltam todos a casa.
Em zona de estuário, vemos sapais, esteiros, zonas lodosas e águas azuis com reflexos verdes, que hoje até está com alguma ondulação — “No Inverno, até costumamos ter menos vento.” Há uma espécie de microclima aqui: estando a chover em Lisboa ou até mesmo em Santarém, pode não estar por estes lados.
O que não impede que, quando as cheias atingem as planuras ribatejanas, a aldeia de Valada, na margem esquerda, seja um dos locais preferidos de reportagem. “Só descobri que havia cheias quando fui para Lisboa”, brinca Rui — não será o primeiro a dizê-lo: as subidas da água são tão intrínsecas à vida aqui que ninguém as estranha.
Não vemos os cavalos a passar entre mouchões — “Quando a maré está cheia só se vêm as cabeças” —, estão tranquilamente a pastar na ilha Nova, ao lado da dos cavalos, que já foi muito maior e até margem. Tão-pouco assistimos a uma águia pesqueira a aparecer, tocar a água e seguir com um peixe. Estes são acontecimentos fortuitos. Mas em Novembro é normal ver os corvos marinhos a secar, às centenas, nos areais; e em Março a loucura instala-se com a época de reprodução. Há sempre motivos para vir ao Tejo, portanto, que muda de cores, de cheiros, de vida ao ritmo das estações — sempre com a certeza de encontrar aqui um sem-número de aves.
De mar e terra
O seu barulho é constante, mas é quando subimos que percebemos que a ilha é delas: o terreno granítico onde cresce vegetação rasteira está esbranquiçado — são as penas das gaivotas à laia de flocos de neve. Sentimos sempre que estamos a invadir o seu espaço. E estamos. Afinal, o arquipélago das Berlengas é reserva natural (e reserva mundial da biosfera desde 2011) e nós estamos na Berlenga (39°26’59”N, 09°30’57”W), a maior das ilhas. O nosso percurso está bem demarcado e é proibido sair dele — vamos até à ponta Sul, seguindo pelo Trilho dos Pescadores depois do farol, e vemos as outras ilhas, rochosas, Estelas e Farilhões, e vários ilhéus. É final de tarde, o céu está plúmbeo, deixando entrar apenas alguns raios de sol que formam colunas de luz no oceano: parecemos os últimos (ou os primeiros) habitantes da terra, só o mar, o vento e as omnipresentes gaivotas.