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Tantas vidas, David

Por Nuno Pacheco

No dia 6 de Agosto de 2001, no final do espectáculo Noites do Norte, Caetano Veloso voltou ao camarim para preparar o que cantaria no regresso ao palco. Paula Lavigne, então sua mulher, pergunta-lhe se não se importa de fazer uma homenagem. Ele pergunta porquê. Então ela diz: "Jorge Amado morreu. Agora." Caetano Veloso chorou, disse-o no mesmo palco no dia seguinte, mas quis transformar a sensação de perda em homenagem: "Esta é a festa do meu aniversário [fazia, ele próprio, nesse dia, 59 anos] e é a festa da vida de Jorge Amado." E depois explicou como, em lugar da falar na morte, preferia falar, nesse dia, na vida do escritor, baiano como ele.

"Um homem tão feliz e que soube expressar essa felicidade dele com a vida, que mesmo chorando a gente só pode comemorar." E cantou por ele, depois.

David Lopes Ramos foi também um homem feliz com a vida e soube celebrá-la nos momentos certos, fixando-os para a eternidade na memória dos que com ele privaram - e desses momentos já se falou, no PÚBLICO, nos sentidos artigos e depoimentos de José Manuel Fernandes, Manuel Carvalho, Pedro Garcias, Rui Cardoso Martins, Sérgio C. Andrade e até Miguel Esteves Cardoso, que, desconhecendo-o pessoalmente, disse em poucas palavras o que muitos dos que só o conheciam da escrita podiam ter dito.

Mas, agora que ele se preparava para uma nova fase da sua vida, é impossível não sentir a injustiça da sua morte prematura. No que um dia se escreveu e o povo propaga, David venceu Golias e essa vitória ainda hoje é usada como símbolo do poder da crença e da coragem contra a força bruta. Mas David Lopes Ramos, que se entregou nas mãos dos médicos, crente (como todos nós) na possibilidade da vitória, teve pela frente um Golias silencioso e traiçoeiro que não o poupou. Chama-se cancro. Às vezes vencem-no, por meses ou anos.

Devia ter sido derrotado agora.

E David devia estar ainda fisicamente entre nós. Porque na memória permanecerá sempre, ele que ajudou a fundar, a moldar e a manter com alma o jornal a que dedicou mais de 20 anos da sua vida. E onde fez amigos e discípulos, com a inteligência, o bom senso e a bondade que já vários publicamente enalteceram.

No memorial invisível que fomos construindo para os que precocemente morreram, de entre os que ficaram ligados ao PÚBLICO, já há demasiados nomes: António Lage, Artur Semedo, César Camacho, Eduardo Prado Coelho, Fernando Magalhães, Fernando Semedo, Francisca Sacadura Cabral, Guilherme Paixão, João Mesquita, João Queirós, João Vasconcelos e Sá, José Alexandre, José Cardoso Pires, Luís d'Orey, Luís Pignatelli, Luís Ribeiro, Manuel Cintra Ferreira, Manuel João Gomes, Maria do Céu (a que carinhosamente chamávamos "Vovó Donalda"), Samuel Torres de Carvalho (o cartoonista Sam), Tereza Coelho, Torcato Sepúlveda. E agora David Lopes Ramos, saudoso camarada e amigo. Vidas que lembraremos sempre, à medida da nossa memória, esse lugar onde não há espaços vazios a não ser os que negligentemente desocupamos.

{Nuno Pacheco, jornalista} in Público, P2 (02-05-2011)

 

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