Eras assim. Tinhas as tuas convicções, mas prezavas acima de tudo a liberdade. Era por isso que eras um grande jornalista. Um daqueles à moda antiga (e eterna) que sabiam tocar todos os instrumentos e que sabiam que era tão importante saber escrever uma pequena breve, como estender-se numa grande reportagem - e que nunca é possível omitir a excelência e o rigor na escrita. Um daqueles que nunca esqueceram que a humildade é uma virtude cardeal da profissão, pois tanto nos obriga a ter mais dúvidas do que certezas, como nos exige que façamos todo e qualquer trabalho que deva ser feito para que, no dia seguinte, nunca falhe o que nunca falha: ter mais um jornal na rua. E tudo isso sem peneiras, mesmo quando tinhas pergaminhos, talento e cultura para te sentares no pedestal.
No PÚBLICO, passaste pela Cultura e, depois, pela Sociedade, antes de abraçares, entusiasmado, o projecto de um novo suplemento que se chamou, e chama, Fugas. Nunca exigiste nada, mesmo quando te era pedido para aguentares o barco em tempo de borrasca. Pelo contrário: eras sempre dos primeiros a mostrarem a sua disponibilidade. Talvez por isso tenhas levado tempo de mais a assumir a pasta da crítica gastronómica, pois nunca quiseste pisar ninguém. Quando, por fim, o fizeste, aconteceu o que o nosso comum amigo Zé Quitério tinha previsto que aconteceria: tornaste-te no melhor. Tinhas a cultura que te ancorava solidamente na tradição portuguesa e a infinita curiosidade para experimentar a novidade e revelar a excelência.
Tive a felicidade de, além de te ter como camarada - é assim que os jornalistas se devem tratar uns aos outros, como gostavas de lembrar -, ter-te também como amigo. Um amigo generoso, franco, leal, disponível. Um amigo que gostava de partilhar, pois é na partilha que se constroem as relações humanas. É sobretudo por isso que vou sentir a tua falta. A última vez que te vi no hospital não acreditei no quase fatalismo com que esperavas, tranquilo, que os médicos fizessem o seu melhor. Hoje sinto que aquele teu aparente desprendimento era sinal de que continuavas de bem com a vida e que na vida fizeras o que te aprouvera fazer. Ainda bem. Nós, os que cá ficamos, é que estamos em falta: não correspondemos a tudo o que nos deste. E agora é tarde.
É por isso que ainda não quero acreditar. Até sempre, David.
{José Manuel Fernandes, jornalista e ex-director do PÚBLICO} in Público (30.04.2011)
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