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    A capa do novo "Um Lugar Dentro de Nós"

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Gonçalo Cadilhe, ávido de navegar

Nos anos trinta, em que todo o rio era um sonho colonial francês, demorava mais tempo navegar pelo Mekong abaixo desde Luang Prabang, no Laos, até Saigão, no Vietname, do que depois navegar pelos oceanos afora desde Saigão até Marselha. Hoje, nem sequer existe a comparação. Os continentes ligam-se por transporte aéreo; e as estradas que acompanham o rio, e lhe viram as costas com desprezo, ligam em poucas horas a China ao Delta e tornam obsoleto o curso de água como via de comércio. Ninguém navega nada - nem mercadorias nem pessoas. O Mekong existe apenas para quem não quer chegar. E por isso fui tão feliz nele.

Para terminar uma lista que se tornaria comprida - e deixando de fora, por exemplo, a navegação nos canais patagónicos e no estreito de Magalhães, a escrever precisamente a biografia de Magalhães; ou a travessia do Japão para a China, tentando recuperar das entrelinhas da Peregrinação o itinerário de um Fernão Mendes Pinto primeiro mercador, depois pirata e por fim missionário, das três ou quatro vezes que buscou o arquipélago nipónico -,  regresso à equação feliz da lua cheia, brisa morna, silêncio e contemplação. Mas agora acrescento-lhe uma parcela imprevista e paradoxal - o deserto - para descrever uma das noites mais bonitas em absoluto da minha existência. Não sei qual foi exactamente. Foi uma das quatro ou cinco que são necessárias para completar a distância que separa Gao de Tombouctou através do Sahara. Foi a noite em que a lua cheia permitiu ver na distância uma duna com uma árvore ressequida e estática no sopé, imagem que é a própria definição do deserto. A brisa era morna, o silêncio profundo e nesse momento, também na distância mas sem ser possível identificar desde onde, chegou o canto de crianças. E as palmas, e gargalhadas alegres - longe na noite, passávamos por uma aldeia sem luz, quem sabe se tanta festa e felicidade eram para saudar a nossa passagem, viajantes iluminados pelo deserto fora em direcção a Tombouctou.

Ah, esquecia-me outra vez de mencionar uma coisa importante. Encontrava-me a bordo do cargueiro de passageiros Comanav, que semanalmente liga a fronteira com a capital do Mali pela única artéria de comunicação que vence o labirinto vazio do deserto, o rio Níger. Mil e quatrocentos quilómetros rio acima e abaixo. Os restantes companheiros de navegação dormiam, eu sem sono, outra vez amurada, com a mesma noção: a de que os momentos mais transcendentais do meu percurso num planeta que não se devia chamar Terra foram passados a navegar.

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"Um Lugar Dentro de Nós"
É o novo (e o nono) de Gonçalo Cadilhe. Acabado de publicar, encerra uma trilogia, segundo ao autor, "que se abriu com o 1 Km de Cada Vez e que foi apurada tematicamente com o Encontros Marcados". "Este ciclo tem como fio condutor a apresentação de histórias de viagem, mas não a sua partilha", diz Cadilhe. "Não pretende partilhar contigo as viagens dos outros (em que eu sou um dos outros); pretende inspirar-te com as viagens dos outros para que tu cumpras a tua". Agrupando crónicas, reflexões de viagens e fotos, é um manancial de pistas. Mas, avisa Cadilhe, "não sigas a minha viagem. Procura que a tua viagem surja dentro de ti". O livro tem 176 páginas, é uma edição do Clube do Autor e tem o preço de capa de 15,50€.

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