O que é estar "dentro da garrafa"? São os amigos, os jornalistas...
Sim, o guia Michelin e outros. Há pessoas que gostam desse casulo, como se fosse uma espécie de ventre materno. É outra visão. Eu prefiro estar um pouco de lado, à distância. É óptimo.
Essa posição traz-lhe alguns inimigos?
Como eu não tenho vida social não sei quem são os meus inimigos. A minha vida privada é ao redor de alguns amigos, nunca vou a cocktails, jantares, viagens e essas coisas, por isso nunca me cruzo com chefs. Sei que tenho muitos inimigos mas nunca os encontro (sorri).
E como é que vê os outros críticos franceses?
Como é que eu os vejo? Não me interessam, de todo.
Acha que seguem os mesmos princípios de distanciamento?
É-me indiferente, eu vivo de uma forma um bocado selvagem. Não sei, talvez? Mas a maioria das vezes os jornalistas estão muito próximos do objecto.
Lembra-se de algum que não esteja?
Se calhar existe mas eu não conheço. [faz uma pausa e questiona-se em voz alta] 'Quem é que mantém a distância?. Não me lembro, mesmo (risos). Mas é provável que exista.
Quando escreveu um livro com o chef Alain Ducasse [La Province de Ducasse, 2000] não comprometeu os seus princípios?
Abriu um buraco no seu anonimato. Essa pergunta é interessante porque não se deve ser sempre demasiado rígido. Eu gosto da contradição. Assinei o contrato com a editora, mas depois o meu propósito de independência despertou. E já depois de ter assinado o contrato escrevi um artigo muito negativo sobre o Alain Ducasse, como que a dizer 'sou livre, apesar de estarmos a escrever um livro'. Ele ficou muito zangado e eu tive que escrever o livro todo sozinho porque não tinha dinheiro para reembolsar a editora e cancelar o contrato. Fui obrigado a escrever o livro sem falar com ele durante dois anos, e pensava no que é que lhe estaria a passar pela cabeça, mas fiquei satisfeito porque mantive a minha independência.
Mas passou uma linha de fronteira.
Tem razão. Mas às vezes é preciso fazê-lo. Na altura eu pensei que se calhar tinha ido longe de mais e disse a mim próprio que não voltava a fazer. Mas se calhar amanhã um chef diz-me que tem vontade de fazer um livro comigo e eu posso pensar, porque não? Temos que ser paradoxais e contraditórios. A vida é contraditória, a contradição faz-nos pensar. Mas é claro que o melhor é não estar com chefs de cozinha.
Também fez parte do júri do primeiro ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Estive nas duas primeiras listas e tentei fazer alterações porque achava a classificação absurda. Não havia restaurantes asiáticos, nem jurados asiáticos. Apontei estas falhas e até tentei constituir um painel de jurados asiáticos. Depois apercebi-me que aquelas pessoas não iam àqueles restaurantes todos. Não era uma coisa séria, deontológica. Eu próprio, que tenho a oportunidade de viajar bastante [no Le Figaro, François Simon também escreve sobre viagens, moda e perfumes], faço reservas noutro nome e no fim pago a conta [tira da carteira três cartões de crédito com nomes diferentes], não consigo ir a todo o lado, não tenho tempo. Participei para tentar melhorar alguns aspectos, mas desisti.